Título: 'Na OMC, critério é a qualidade'
Autor: Reali Júnior Correspondente PARIS
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/04/2005, Economia, p. B11

Apoiado pelos EUA para a direção-geral da OMC, cargo cobiçado pelo Brasil, Lamy diz que nacionalidade não é critério na eleição O socialista cristão Pascal Lamy, ex-comissário do Comércio da União Européia, candidato francês favorito à diretoria-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), vê com preocupação, o novo choque do petróleo. Segundo ele, um petróleo muito caro poderá comprometer, em parte, este período de crescimento econômico que o mundo atravessa. A alta pode ser mais longa do que se imaginava, o que se explica, entre outras razões, pela forte demanda de países como China, Índia e Brasil. Por isso, a economia mundial deve se ajustar e buscar novas fontes alternativas de energia. Lamy, que está hoje em São Paulo participando de uma palestra sobre crescimento e seu contexto internacional, organizada pelo Grupo Tendências Consultoria Integrada, é partidário do "sim" no referendo do dia 29 de maio na França, quando deverá ser aprovada ou não uma Constituição para a Europa. Apesar do pessimismo atual europeu (o "não" que rejeita o texto constitucional lidera todas as pesquisas), Lamy considera que esse resultado não representará o fim do mundo, mas está convencido que poderá prejudicar a construção européia, pois o mundo não permanecerá parado esperando pela UE.

Nesta entrevista, Lamy trata também da necessidade de desbloquear as negociações na área da OMC para permitir o fim da Rodada Doha, convencido que a reunião de Genebra é um passo importante. Ele se mostra bem mais discreto quando indagado sobre a retomada das negociações UE-Mercosul, lembrando que não pretende interferir no trabalho de seu sucessor, o britânico Peter Mandelson. Sobre as políticas de alianças na OMC, após ter recebido o apoio americano, Lamy lembrou que o critério da nacionalidade serve para cada país apresentar seu candidato, mas prevalece o de qualidade dos candidatos. Um de seus principais adversários é o brasileiro Seixas Corrêa.

O sr. é um defensor do "sim" no referendo sobre a Constituição da UE, mas o "não" avança. No caso de uma vitória do "não", as conseqüências serão dramáticas para a Europa como afirmam alguns círculos, partidários de sua aprovação ?

Se o "não" passar será uma má noticia para a Europa e para a França. Vai ser preciso muito tempo para renegociar um novo tratado e dada a relação de forças na Europa esse compromisso poderá ser menos bom do que o atual. Tenho confiança na sabedoria do povo europeu. Como exemplo histórico, lembro o que se passou em 1954, quando não se aprovou o Tratado da Comunidade de Defesa Européia. 50 anos depois não assinamos ainda nenhum tratado de defesa. É claro que se o "não" sair vitorioso, não será o fim da Europa, mas como se trata de uma dinâmica, de um movimento, ela poderá permanecer paralisada durante muito tempo. O mundo vai continuar, mas não vai esperar pela Europa.

Após o fracasso das negociações entre a U E e o Mercosul que o sr. participou diretamente, quais são, a seu ver, as perspectivas de uma nova negociação?

Assumi o compromisso de não comentar por um certo tempo as questões sobre as políticas comerciais européias, pois não quero interferir e afetar o trabalho do meu sucessor, Peter Mandelson. Só posso fazê-lo, no contexto de minha candidatura à OMC.

Nesse contexto, a Europa e a França estão prontas a fazer concessões no setor agrícola para desbloquear as negociações e permitir que elas caminhem na boa direção?

Demos um passo substancial em Genebra. Concessões importantes foram feitas pelos americanos e europeus. Já há uma ossatura, mas agora é preciso que os parâmetros, isto é o caminho para o fim dos subsídios à exportação para ajudas internas e para o acesso aos mercados, etc. possa ser traçado e que tudo esteja pronto até o encontro de Hong Kong. A agricultura é um dos temas que está na mesa, mas outros precisam também ser apresentados. Genebra serviu para desbloquear as negociações, mas deve haver um esforço suplementar para que outros temas possam ser levados para Hong Kong se pretendemos chegar a um acordo global até o final de 2006.

Sua candidatura recebeu na semana passada um importante apoio dos EUA. Como analisa as demais candidaturas?

Desde o inicio, sempre assumi a necessidade do consenso, aliás, o espírito do processo na OMC é o de busca desse consenso. Afinal, todos os demais candidatos são amigos com quem tenho convivido todo esse tempo nas reuniões internacionais e o espírito é o mesmo. Quanto ao apoio recebido, o processo prevê que os membros da OMC possam torná-lo público ou não. O processo prevê também vários rounds e cada um deles corresponde a uma etapa. O que conta com menos apoio deve se retirar em cada uma das etapas.

Admite a possibilidade de um compromisso com Seixas Corrêa?

O próprio processo já é de seleção, desenvolvendo-se sob critérios das qualidades dos candidatos e não de nacionalidades. Essa foi a opção retida. Cada candidato deve ser apresentado pelo seu país, mas depois a seleção se faz pelas qualidades. Não se trata de estabelecer alianças ou uma coalizão.

O sr. considera que o Brasil fez bem decidindo não renovar seu acordo com o FMI? A seu ver, a economia brasileira já atingiu um nível de saneamento que lhe permite esse distanciamento do Fundo?

Foi uma decisão do governo brasileiro, mas não deixa de ser um sinal de confiança. A prova disso é que a política que foi desenvolvida produziu resultados que permitem esse distanciamento do FMI. Isso deve ser creditado aos que conduzem a política econômica,em particular, o ministro Palocci. Lembro-me de ter discutido isso com ele num momento em que não havia consenso no Brasil sobre os resultados dessa política.

A nova batalha sobre o têxtil chinês revela que Europa e os EUA mantêm posições similares. Há o perigo da disputa resultar em novas medidas protecionistas ou serão limitadas à aplicação de salvaguardas como já é o caso americano?

A OMC funciona com suas regras que previam o desaparecimento das cotas para os produtos têxteis, desde 31 de dezembro de 2004. Ela prevê também salvaguardas que podem ser acionadas, pois estão nas regras da OMC. No passado recente, os EUA aplicaram as cláusulas no aço, o que foi contestado pelo Brasil, Europa e Japão.

O FMI admite a hipótese de que o preço do barril de petróleo possa chegar a US$ 100. O Banco Central Europeu também se preocupa com essa evolução e admite que a zona do euro poderá ser punida ainda mais. Qual a sua opinião: crise passageira ou um verdadeiro choque do petróleo com todas suas conseqüências?

A economia européia é importadora de petróleo e toda elevação de preços atinge os países europeus. Estou convencido de que a tendência de alta de preços de energia vai prevalecer e que a economia deve se ajustar a essa tendência. Países como China, Índia, Brasil e outros de forte crescimento econômico têm necessidade de aumentar seu consumo. Estou também convencido de que esse é um contexto durável, razão pela qual é preciso que as políticas de consumo de energia devem ser melhoradas, buscando-se outras fontes alternativas.

Como recebeu a indicação do americano Paul Wolfowitz, tido como um ultra conservador duro, para a presidência do Banco Mundial? Foi uma boa opção para os países em desenvolvimento?

Cada organização internacional tem o seu processo de escolha. Não costumo comentar os sistemas de outras organizações, o que seria, neste momento, pelo menos inoportuno. Só posso dizer que, no caso da OMC, ela fez progressos interessantes para melhorar a transparência.