Título: Vendeta da fisiologia
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Fonte: O Estado de São Paulo, 15/04/2005, Notas & Informações, p. A3

D iz o líder do PMDB no Senado, Ney Suassuna, que a decisão, capitaneada pelo partido, de rejeitar na comissão de Infra-Estrutura o nome do engenheiro José Fantine, escolhido pela titular de Minas e Energia, Dilma Rousseff, para a diretoria-geral da Agência Nacional de Petróleo (ANP) "não foi uma derrota do governo, mas da ministra". Palavras maldosas. A derrubada da indicação de Fantine, por 12 votos a 11, foi, sim, um revés para os dois - embora por motivos diferentes. E foi, acima de tudo, uma traiçoeira vendeta do fisiologismo frustrado contra uma ministra que, considerando, com razão, ser eminentemente técnica a natureza de suas funções, procura agir com base em critérios também técnicos, incompatíveis, sobretudo, com o pantanoso loteamento de verbas e cargos públicos federais. É o que dá não levar na devida conta os apetites dessa alcatéia.

Porque é disso, ao fim e ao cabo, que se trata. É fato que a bancada do PMDB no Senado, quase toda, está revoltada com o que diz ser a fritura a que o PT estaria submetendo o novo ministro da Previdência, o também senador Romero Jucá, indicado ao Planalto pelo presidente da Casa, Renan Calheiros, da franja governista do partido. Desde que assumiu, Jucá vem sendo atingido praticamente a cada dia por denúncias de impropriedades pregressas, compondo um quadro devastador para a sua imagem. Os patronos do ministro no PMDB debitam as acusações a petistas descontentes com a sua nomeação e citam como prova disso as declarações azedas a respeito do ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha. (Mas registre-se que os peemedebistas não saíram propriamente em desabalada carreira para defender o correligionário; só anteontem emitiram uma nota em seu favor.)

A ministra Dilma foi punida por preferir para a ANP um veterano especialista do setor - elogiado pelos próprios políticos que o abateram - em vez de entregar o comando de uma das mais importantes agências reguladoras da economia nacional a quem o PMDB quisesse. Tem mais: ela se recusara a nomear para a presidência da Eletronorte um apadrinhado de um senador peemedebista de Rondônia. E designara para a Diretoria de Engenharia da estatal um funcionário de carreira de Furnas, ex-secretário de Finanças da prefeitura de Goiânia Ademar Palocci, que tem contra si pertencer ao PT e ser irmão do ministro da Fazenda. Outros pecados atribuídos à ministra são haver ela transferido recursos da empresa piauiense Cepisa, sob tutela do PMDB, para a Chesf, ter "preconceitos" antinordestinos e não convidar políticos para suas viagens aos seus redutos eleitorais.

O episódio, a rigor, não chega a surpreender. Mais uma vez o Planalto foi apanhado no contrapé. O líder do PT no Senado, Delcídio Amaral, tardou a despertar para a armação que começou a ser articulada já na segunda-feira. Ao telefone, em dado momento, a ministra ouviu que ficasse tranqüila, pois tudo já tinha sido conversado "com o pessoal". Na realidade, os petistas, além de se guerrearem uns aos outros a maior parte do tempo, parecem diletantes bisonhos perto desses profissionais do jogo pesado. E eles, como é notório, formam um rol de suseranias rivais. Exemplo: os senadores do PMDB cobram do presidente Lula pleno apoio a Jucá, mas o peemedebista oposicionista Anthony Garotinho, ao lado de Renan, recusou-se a comentar o imbróglio. "Esse assunto cabe às pessoas que indicaram. Eu não indiquei, então não posso falar nada", eximiu-se.

A desconfiança é geral nas relações do Planalto com os partidos da base aliada no Congresso. As contrafeitas tentativas do presidente Lula de assumir pessoalmente o papel de articulador político deram em nada até aqui, porque de ambos os lados do balcão a expectativa é de que o interlocutor não cumprirá o combinado - no que, a julgar pelo retrospecto, todos têm alentadas doses de razão. O governo não está sabendo fazer política: nem a do varejo, qualquer que seja o juízo que se possa ter sobre o gênero, muito menos a do atacado. E pensar que, em meio a essa babel de desacertos, a reeleição é tudo que interessa ao Politburo do presidente, aumentando a confusão. Se a indicação de Fantine for levada a plenário, como se prevê, apesar do parecer da Comissão de Infra-Estrutura, se conhecerão as concessões que Lula acedeu fazer para aqueles que tanto quer ter consigo nos palanques de 2006.