Título: Senado sofre uma autoderrota
Autor: DORA KRAMER
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/04/2005, Nacional, p. A6

Veto a diretor da ANP exibe senadores em pleno exercício de mesquinharia amoral Não foi uma derrota do governo o veto da Comissão de Infra-Estrutura do Senado ao nome do engenheiro José Fantine para o cargo de diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, por indicação da ministra das Minas e Energia, Dilma Rousseff.

Em vista dos motivos alegados para a recusa, a derrota foi única e exclusivamente do Poder Legislativo que, mais uma vez e desta através do Senado, perdeu a oportunidade de se comportar à altura da função.

No caso específico, os senadores deveriam examinar, por intermédio de uma sabatina, os requisitos profissionais de José Fantine para comandar a ANP, mas preferiram deixar esses critérios de lado e dar vazão a mesquinharias amorais.

Vetaram o engenheiro porque, no dizer do líder do PMDB na Casa, senador Ney Suassuna, "essa ministra vem criando muitas inimizades com os senadores. Não atende ninguém e veta nossos nomes. Essa foi uma resposta do Senado".

Pelo visto, os senadores quiseram mostrar-se fortes em relação ao Ministério das Minas e Energia, exibir os músculos e arreganhar os dentes por não terem sido atendidos em suas reivindicações por cargos em empresas subordinadas à pasta de Dilma Rousseff.

Consta que os pertencentes ao PMDB pretenderam mesmo incluir no gesto um recado pela permanência no governo do senador Romero Jucá e seu plantel de denúncias no Ministério da Previdência Social.

Razões objetivas para o veto ao engenheiro escolhido pela ministra até não faltariam, dado seu currículo de defensor do monopólio da Petrobrás, ex-funcionário da estatal e, portanto, dono de uma condição diversa da concepção que pauta a razão de ser da agência reguladora.

Essas questões concretas, entretanto, não interessaram aos senadores. A eles importou apenas a chance de "dar um troco" na ministra que não tem por eles suficiente carinho e amizade.

Num ambiente sério esses senhores - senão todos, pelo menos os réus confessos - já estariam sendo objeto de algum tipo de contestação, seja por suspeita de improbidade, seja por ausência de decoro.

Afinal, acabaram de tomar uma decisão no Senado da República em atendimento a suas conveniências pessoais, não com base no que manda a Constituição.

Está escrito no artigo 55 sobre perda de mandato que fere o decoro qualquer abuso das prerrogativas parlamentares. Como entre elas não se inclui o voto por motivação insidiosa, o veto da vingança se configura por si só abusivo.

Igual

Com todo o respeito que a habitual compostura do ministro da Fazenda merece, não há diferença entre a indicação do filho economista do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, para a superintendência regional do Ministério da Agricultura em Pernambuco, e a nomeação do técnico da Eletrobrás irmão de Antonio Palocci para a diretoria-geral da empresa.

Assim como não há distinção entre todos os parentes "diplomados" nomeados nos Poderes Legislativo e Judiciário e os familiares graduados indicados a cargos no Executivo pelo simples fatos de terem laços sanguíneos ou legais com detentores de influência para nomear.

Enquadram-se no caso mulheres de ministros remanejadas de postos depois da assunção dos maridos ao poder.

Imprimir diferentes pesos a atos semelhantes e que ferem o mesmo princípio da impessoalidade, é discriminação.

Confiança

O deputado Paulo Delgado (PT-MG) expõe doutrinariamente a questão de fundo em jogo na prática do nepotismo: "O conceito de confiança familiar é privado e o princípio da confiança pública diz respeito ao coletivo. Enquanto a família é fundada no pressuposto da confiança, a ética pública, por definição, exige a adoção da desconfiança como preliminar. Daí a impossibilidade de se misturar os dois conceitos, porque um deles será agredido. Em geral quebra-se a norma relativa ao coletivo."

Ponte

O presidente do Senado, Renan Calheiros, se ofereceu ao secretário de Governo do Rio, Anthony Garotinho, para intermediar uma audiência com o presidente da República tendo como pauta as pendências administrativas do Estado com a União.

Garotinho declinou, dizendo que recorreria à intermediação formal do presidente do PMDB, Michel Temer.

O chamado grupo oposicionista do partido adorou, pois era isso mesmo que procurava quando aceitou a mão estendida pelo Planalto aos pemedebistas não-alinhados: tirar de Calheiros a condição de via única de acesso ao palácio.

Entrevista

Falta o dia, mas o mês está definido: será ainda em abril a primeira entrevista coletiva do presidente Lula em dois anos e meio, a contar de sua eleição, em outubro de 2002.

A explicação para a decisão de finalmente fazer a entrevista é a de que a ausência desse tipo de prática não é compatível com o exercício da chefia de uma nação democrática.

O Planalto não apresenta justificativa oficial para a preferência, vigente até agora, por pronunciamentos sem a intervenção de jornalistas. Consta extra-oficialmente que Lula não gosta de ser questionado - equivale a dizer "atrapalhado" - em seus raciocínios.