Título: Sucessão de Casaldáliga fecha era progressista
Autor: Roldão Arruda
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/02/2005, Nacional, p. A13

Último ícone da ala identificada com a Teologia da Libertação dá lugar a moderado

O primeiro encontro entre o bispo d. Pedro Casaldáliga e seu substituto, o franciscano Leonardo Ulrich Steiner, na tarde de sexta-feira, na pequena São Félix do Araguaia, Mato Grosso, foi cordialíssimo. O frade disse ao bispo que ele pode permanecer na área da prelazia por quanto tempo quiser e até o convidou para a cerimônia religiosa na qual será sagrado bispo, no dia 16 de abril, na Catedral de Blumenau, Santa Catarina. D. Pedro seria um dos consagrantes - o que é uma forma de homenagear alguém, no meio clerical. O bispo gostou de ouvir, mas recusou. Às vésperas do aniversário de 77 anos, acometido pelo mal de Parkinson e com problemas de visão, tem evitado viajar. Disse que prefere esperar a volta do frade - que então será d. Leonardo - para entregar-lhe a direção da Prelazia de S. Félix do Araguaia.

O ato, acertado para o dia 1.º de maio, põe fim a uma das substituições episcopais mais delicadas na história recente da Igreja no Brasil. E também uma das mais emblemáticas do ponto de vista da política.

Não tanto pela importância da área. Na Igreja são chamadas de prelazias aquelas regiões administradas por um bispo, que, de tão pobres e com tão poucos recursos, nem chegam a merecer o título de diocese. A de São Félix do Araguaia estende-se por uma área de 150 mil quilômetros quadrados, nos limites de Mato Grosso com os Estados do Tocantins e Pará, e tem uma população rarefeita de 120 mil habitantes - o que dá menos de uma pessoa por quilômetro quadrado. Seu contingente de arautos do Evangelho é exíguo. São apenas 7 padres, 50 freiras, 2 diáconos e alguns poucos agentes leigos.

O que distingue a prelazia é seu bispo. D. Pedro é o último grande ícone da chamada ala progressista do episcopado brasileiro que nos anos 70 abraçou a Teologia da Libertação - segundo a qual o Evangelho deve servir acima de tudo aos interesses dos mais pobres - e, aliada a movimentos de esquerda, enfrentou abertamente o regime militar.

Ele chegou à região em 1971, vindo da Espanha. Vivia-se o auge do chamado milagre econômico e da repressão política. Também era a época da fartura dos incentivos fiscais da Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), que atraiu muitos investimentos e deu origem a grandes projetos pecuários em fronteiras agrícolas. Nos conflitos que surgiram com antigos posseiros e grupos indígenas, d. Pedro tomou o partido destes. Enfrentou a Sudam e atacou os militares no Brasil e no exterior - onde sempre teve admiradores e já foi chamado de "bispo dos pobres" e "bispo socialista".

Em mais de uma ocasião estudou-se sua expulsão do País. Em 1976, assistiu ao assassinato de um seus auxiliares mais próximos, o padre João Bosco Burnier. Um policial militar atirou nele pensando que fosse d. Pedro. Os dois haviam ido até uma delegacia protestar contra a tortura a que estavam sendo submetidas duas mulheres. A confusão ocorreu porque só o padre usava batina.

D. Pedro contava com a simpatia do papa Paulo VI, que o nomeou para a prelazia, e da cúpula da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), especialmente no tempo em que ela esteve sob a direção dos progressistas.

A situação mudou com a ascensão do papa João Paulo II, em 1978. Ele freou a Teologia da Libertação e o envolvimento do clero com ideologias de esquerda. Em 27 anos de pontificado mudou o perfil do episcopado brasileiro, promovendo quase sempre padres de perfil mais conservador e reduzindo o poder de influência dos progressistas que permaneceram na ativa. Um caso exemplar foi o de d. Luciano Mendes de Almeida: admirado na ala progressista, acabou relegado à Diocese de Mariana, de pouca importância no cenário religioso.

D. Pedro nunca hesitou em criticar o papa e criou certa tensão em torno do processo sucessório, que se arrasta há dois anos. Em janeiro divulgou a informação de que a cúpula da Igreja havia pedido seu afastamento da prelazia, para não causar constrangimentos ao sucessor. A notícia provocou protestos em todo o mundo.

Mas o Vaticano já vinha planejando uma saída. Nomeou como sucessor uma pessoa próxima do cardeal d. Paulo Evaristo Arns - que é amigo de d. Pedro. Frei Leonardo, padre de perfil político moderado, pertence à mesma ordem franciscana do ex-arcebispo de São Paulo e é primo-irmão dele.

No dia 1.º de maio, o bispo espanhol, que também é poeta e um dia escreveu "tenho fé de guerrilheiro e amor de revolução", sai de cena oficialmente. Segue o caminho de d. Paulo, d. Ivo Lorscheiter, d. Aloisio Lorscheider e d. Tomás Balduíno - outros aposentados que figuram entre os nomes mais lembrados na lista dos que se opuseram à ditadura.