Título: TJ de Mato Grosso, um tribunal sob suspeita
Autor: Luiz Maklouf Carvalho
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/02/2005, Nacional, p. A12

Histórias de processos e propinas marcam a Casa, malvista até pelo site do STJ

Desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso estão descontentes com o Superior Tribunal de Justiça (STJ) porque seu site relaciona, como processos, o que eles consideram "procedimentos de natureza não contenciosa", para usar uma expressão do magistrado José Ferreira Leite, presidente do TJ. "Para mim, que comecei a vida carregando água, é uma dor íntima muito grande o tribunal que eu presido estar injustamente na berlinda", diz. Seus colegas juízes fazem desabafos semelhantes. "É um absurdo que temos de administrar", declara Paulo Lessa. "O ruim é que a má fama fica nas mãos de Deus e na língua do povo", reclama Manoel Ornellas de Almeida. "É como ter uma espada permanentemente acima da cabeça", diz Antônio Bittar Filho. "É lamentável e desgastante", afirma Flávio José Bertin, acusado de ter recebido dinheiro de José Arcanjo Pereira, o "Comendador", preso no Uruguai e figura de destaque nas investigações da CPI do Banestado.

Uma pesquisa no site do STJ mostra que os cinco e três outros desembargadores - Munir Feguri, José Tadeu Cury e Donato Fortunato Ojeda - são, no momento, alvo de sete procedimentos: uma ação penal, duas notícias-crime, uma interpelação judicial, uma representação e uma sindicância. O TJ-MT tem 30 desembargadores.

Leite entende que o termo processo só se justifica quando o STJ recebe a denúncia - o que não ocorreu em nenhum dos casos até agora. "Antes disso são checagens preliminares, que não deveriam merecer publicidade, pelo risco de distorções."

A má fama que incomoda os magistrados nasceu de uma estatística divulgada pelo STJ, ano passado, dando conta de que o TJ-MT era o recordista nacional em número de integrantes "processados" ou "sob investigação". Seriam 18, quando o tribunal ainda tinha 20. Questionado a respeito, o STJ informou à presidência do tribunal, em 21 de julho, o que lá havia sobre cada qual: eram 9 procedimentos, relativos a 12 desembargadores, nenhum deles com recebimento de denúncia. Parte já foi arquivada. Hoje, são os 7, já citados, contra 8 juízes.

As informações disponíveis no site mostram que os desembargadores do TJ são alvo desses procedimentos desde 1990. São 127, de lá para cá, envolvendo 18 desembargadores. A maioria já foi arquivada, sempre com parecer favorável do Ministério Público Federal, por falta de provas ou por erros formais, restando a meia dúzia que tramita.

AUTOR

Vistas de perto, caso a caso, as informações do site mostram que boa parte dos procedimentos ao longo desses anos tem um único autor: o advogado Celso Marques Araújo, de Cuiabá, já punido pela Ordem dos Advogados do Brasil de Mato Grosso com censura, advertência e suspensão por 90 dias, que hoje responde a 31 representações na OAB. "Se não existissem as ações do Celso, o recorde do tribunal não existiria. O problema é que ele sai atirando para tudo quanto é lado, sem ter provas das acusações", diz o presidente da OAB/MT, Francisco Anis Faiad. As 31 representações a que Araújo responde na OAB/MT foram feitas por advogados, juízes e promotores. Todos o acusam de ser atrabiliário e de faltar com a ética profissional. Araújo já foi condenado por calúnia e difamação, recorreu ao STJ e perdeu.

Contra um dos suspeitos, o desembargador Flávio José Bertin, pesa a denúncia de um relatório do Banco Central, hoje em mãos da Justiça Federal, em que ele aparece como suspeito de receber propina. "Não sei do que se trata", reage. Bertin, que preside o Tribunal Regional Eleitoral de MT, teria recebido em sua conta bancária, entre janeiro de 95 e abril de 2003, dois depósitos das factorings de Arcanjo, sentenciado pela Justiça Federal a 33 anos de prisão por comandar o crime organizado no Estado. Os depósitos são de R$ 40.586,69 e de R$ 43.191,00. "É possível que alguém tenha depositado sem o meu conhecimento, é possível que um cheque de terceiro tenha ido parar lá, mas realmente não me lembro. De mais a mais, não há nenhuma ilegalidade nisso."

Bertin não é o único magistrado de Mato Grosso a ter recebido depósitos bancários das factorings de Arcanjo. Também estão no relatório do BC os juízes Aparecido Chagas (R$ 32 mil), Díocles de Figueredo (R$ 18 mil) e José Geraldo da Rocha Barros Palmeira (R$ 5 mil). Palmeira, da primeira instância, foi recentemente punido pelo TJ com a aposentadoria compulsória, após denúncia de que teria facilitado a fuga de uma traficante. Está recorrendo de decisão. Figueredo foi recentemente promovido a desembargador. Chagas é da primeira instância. O Estado tentou falar com eles, mas não obteve retorno.