Título: Encorajando a proliferação nuclear
Autor: William J. Broad
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/02/2005, Internacional, p. A21

Há muitas coisas das quais os militares dos EUA precisam urgentemente nestes dias, como blindados melhores para zonas de combate como o Iraque e mais aeronaves não-tripuladas para reconhecimento e bombardeio. Uma coisa que não tem utilidade imediata para eles é uma nova linha de ogivas nucleares que está sendo projetada nos três laboratórios de armas nucleares dos Estados Unidos para substituir as cerca de 10 mil ainda disponíveis depois do acúmulo frenético da guerra fria.

Trata-se essencialmente de um projeto para dar o que fazer aos projetistas de armas e que ameaça desencadear uma nova corrida nuclear mundial. A criatividade nuclear dos EUA deveria concentrar-se em convencer nações como Irã e Coréia do Norte de que armas nucleares não aumentarão sua segurança, e não em dar um perverso exemplo contrário.

As armas nucleares são extremamente inadequadas para a maioria das situações de batalha concebíveis. Elas são únicas em seu poder de destruir vidas civis inocentes e quase sempre há maneiras mais limpas e eficientes de destruir alvos puramente militares. Desde o bombardeio nuclear de Hiroshima e Nagasaki, há quase 60 anos, elas nunca mais foram usadas em combate.

O arsenal americano não exerce mais o papel de dissuasão desempenhado na guerra fria. A época atual é de combates convencionais contra potências militares inferiores, de operações de contra-insurgência e de campanhas militares globais contra o terrorismo. A supremacia tecnológica americana hoje encontra suas expressões militares mais efetivas em armas convencionais "inteligentes", como bombas guiadas a laser e aeronaves sem piloto e as novas e poderosas redes de reconhecimento por satélite e comunicações por computador.

Em casa, no entanto, os planejadores e cientistas nucleares do Pentágono continuam tentando inventar novos usos para as armas nucleares, de armas miniaturizadas para o campo de batalha a grandes bombas projetadas para pulverizar laboratórios subterrâneos de armas não-convencionais - desde que, é claro, os atacantes saibam onde estão esses laboratórios. O outro argumento principal apresentado em favor da criação de novas armas nucleares diz respeito à confiabilidade. Com os testes nucleares suspensos indefinidamente, alguns cientistas de armas argumentam que algumas das bombas do vasto, mas envelhecido arsenal americano poderão não ser detonadas adequadamente se um dia forem usadas.

Esta preocupação teórica é legítima, mas já teve resposta. Desde a era Clinton, Washington vem esbanjando dinheiro em elaborados programas para testar e analisar componentes críticos de armas nucleares armazenadas e realizar simulações por computador no lugar de testes subterrâneos.

Desde o fim do ano passado, no entanto, os laboratórios nucleares dos EUA vêm sendo instruídos a projetar uma nova linha de ogivas nucleares mais pesadas que seriam mais resistentes e duradouras do que as disponíveis atualmente. Por enquanto, o programa está limitado ao projeto, sem incluir a fabricação e o teste. Mas assim que os projetos estiverem prontos, a pressão para o teste das bombas certamente aumentará. Depois disso, provavelmente virão pedidos de gastos de trilhões de dólares com novos mísseis para carregar essas ogivas nucleares mais pesadas.

Este programa envia uma mensagem clara ao restante do mundo: agora que a corrida armamentista das superpotências acabou, Washington considera as armas nucleares uma parte importante de sua estratégia militar contra Estados pequenos e médios. Não causará surpresa essas nações concluírem que precisam desenvolver as próprias armas nucleares.