Título: Silêncio, o cativeiro da mulher de refém
Autor: Tereza Vasconcellos
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/02/2005, Internacional, p. A23

Falando pela primeira vez desde o seqüestro do marido no Iraque, Tereza Vasconcellos conta como enfrenta o drama que já dura 25 dias

Alexandre Rodrigues

RIO - Para quem estava acostumada a falar com o marido duas ou três vezes por dia, mesmo com ele do outro lado do mundo, os 25 dias de silêncio dos seqüestradores do engenheiro João José de Vasconcellos Jr., tornaram-se o cativeiro da mulher dele, Tereza Oliveira Vasconcellos, de 46 anos. Recém-formada em psicologia, ela agarrou-se à notícia do seqüestro como única esperança de que ainda não chegou o fim da história de amor que iniciou, aos 15 anos, com João, seu primeiro namorado. Reclusa desde o dia 19 de janeiro, quando o marido foi levado por supostos insurgentes no Iraque, onde trabalhava para a construtora Norberto Odebrecht, Tereza deu ontem sua primeira entrevista ao receber o Estado no apartamento da família, na Barra da Tijuca, no Rio. Ao lado da filha Tatiana, de 21 anos, ela conta que se voltou para os três filhos e ainda não consegue ver na TV ou ler nos jornais notícias sobre o seqüestro. Não tira os olhos do relógio de pulso com duplo mostrador, que marca o horário do Brasil e do Iraque e que já devia estar aposentado neste momento.

"Depois de tudo isso, vou jogar ele fora". Emocionada, conta que João, marcava num calendário os dias que faltavam para reencontrar a família. Ele seguia para o aeroporto quando foi seqüestrado.

Quando seu marido recebeu o convite para ir para o Iraque, como a família analisou os riscos?

A ida dele para o Iraque nos assustou. Conversamos sobre isso, mas João tem a capacidade de ver as coisas positivas. Ele trouxe coisas de lá, quadros, roupas. Sempre falou das coisas belas, da cultura. Nessa sedução, realmente nos convenceu. Era um desafio profissional.

Como vocês mantinham contato e acompanhavam a trajetória dele lá?

Tenho um mapa do Iraque no meu quarto onde marco cada lugar por que ele passa. Era um ausente presente. Nos falávamos duas ou três vezes por dia. Os computadores da casa estavam sempre ligados. Ele ficava sempre on line. Quando não ficava, eu escrevia antes de dormir perguntando o que aconteceu.

A senhora se informava sobre os episódios violentos e os seqüestros de estrangeiros? Imaginava ter de passar por este drama?

Eu me informava, mas existia uma resistência. O medo faz com que você dê uma olhada de lado para a situação. É muito difícil imaginar quando o outro está vivenciando. A TV enfoca o lado conflituoso, mas ele nos mostrava a beleza de lá e isso nos confortava. Eu não acompanhava o seqüestro de pessoas de outros países, não queria saber para poder suportar.

A senhora soube do seqüestro no mesmo dia?

Eu estava no shopping quando meu filho mais velho ligou e disse que tinha algo para me contar em casa. Perguntei na hora: aconteceu algo com seu pai? Ele disse que não. Se falasse, talvez eu não chegasse aqui. Pensei o pior. Pensei até que o avião tinha caído. Cheguei em casa e vi um senhor sentado na poltrona (funcionário da Odebrecht). Achei que ele tivesse morrido. A notícia do seqüestro foi uma esperança. Pensei: ah, ele está vivo.

A senhora chegou a sair para comprar roupas para ele quando soube do seqüestro. Imaginou que haveria um desfecho rápido?

Sim. O fato de ele ser brasileiro me tranqüilizava. Comprei algumas roupas imaginando que ele sairia logo e, como perdeu a bagagem, precisaria de algo.

O que a senhora sabe de concreto sobre o paradeiro dele?

Nada. A única informação concreta foram os documentos exibidos na TV. Nem uma imagem dele. Isso é o que mais angustia.

A senhora consegue dizer, nesses dias de espera, qual foi o mais difícil?

Foi o dia em que eu tive de colocar de novo este relógio, que marca o horário daqui e do Iraque. (Ela faz uma pausa, emocionada). Eu já tinha tirado e recolocá-lo, no terceiro dia, foi muito duro. Como iria encontrar ele, não precisava mais me preocupar com o horário de lá. Tinha colocado um outro relógio que ganhei de presente no nosso último aniversário de casamento. Ele também tem um e tinha me dito: já coloquei o relógio porque a gente vai se ver.

Como era a segurança dele no Iraque? A senhora confiava nesse aparato?

Confiava. Ele estava acompanhado nesse trajeto de dez seguranças em quatro carros blindados. Estava tudo muito bem administrado.

Depois do seqüestro, a senhora achou que a empresa foi irresponsável ao enviá-lo para um lugar onde havia esse risco?

Não. Ele estava muito bem estruturado. A empresa tinha um padrão de segurança que dava a eles a autonomia até de reforçar ainda mais. Conhecemos pessoas que estão lá há seis anos e nunca aconteceu nada.

A senhora acredita que ele teria capacidade de se relacionar com os seqüestradores para convencê-los a libertá-lo?

Nos primeiros dias, acredito que não. Eu me preocupo porque ele estava num grau de felicidade pela volta e, de repente, essa frustração pode ter afetado seu estado emocional. Mas depois, ele teria de se adaptar. Ele tem muita facilidade para isso. Viaja muito e tem essa capacidade de adaptação.

Sem notícias, de onde tira a esperança de que ele está vivo?

O coração fala muito. Nos primeiros dias, eu não senti ele. Levou umas duas semanas. Eu não sei dizer o que é, mas parece que agora eu estou mais esperançosa. Não há prova de que ele está vivo ou morto. As duas portas estão abertas. Rezo muito, eu tenho muita fé.