Título: Subsídios nos EUA vão crescer US$ 14 bi
Autor: Patrícia Campos Mello
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/02/2005, Economia & Negócios, p. B1

Apesar dos cortes anunciados por Bush, agricultores receberão US$ 24 bi este ano

Apesar dos cortes anunciados pelo presidente George W. Bush na semana passada, os subsídios agrícolas dos Estados Unidos vão crescer mais do que o dobro neste ano. O país vai destinar US$ 24 bilhões aos produtores de soja, algodão, trigo, arroz e outros, ante US$ 10 bilhões no ano passado, de acordo com dados do US Department of Agriculture (USDA), o ministério da agricultura dos EUA. Segundo levantamento do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacional (Icone), obtido com exclusividade pelo Estado, os subsídios agrícolas vão atingir seu maior nível desde o ano 2000, quando as distorções levaram os produtores brasileiros a pedir a abertura de um painel na Organização Mundial do Comércio (OMC) contra os subsídios dados ao algodão.

Bush anunciou na semana passada um corte de US$ 587 milhões nos subsídios, que valeria para o ano fiscal de 2006. Mas o ministério da agricultura americano prevê uma elevação para US$ 24 bilhões em 2005 e US$ 19,8 bilhões em 2006. Para o Icone, os subsídios serão ainda maiores, de US$ 26 bilhões este ano.

Isso ocorre porque os subsídios nos EUA são contracíclicos, ou seja, quanto mais os preços caem mais os produtores recebem para garantir determinada remuneração ao agricultor. Como o preço da maioria das commodities agrícola está em queda - com exceção do açúcar e do café -, os subsídios vão aumentar significativamente.

Os subsídios americanos ao algodão vão quase quadruplicar este ano, passando de US$ 1,4 bilhão para US$ 4,8 bilhões, e os incentivos para o milho vão passar de US$ 2,3 bilhões para US$ 7,5 bilhões. Neste ano, cada produtor de algodão dos EUA vai receber US$ 195 mil, em média. No ano passado, cada um recebeu US$ 57 mil. "Diante dos aumentos contracíclicos, que superam US$ 14 bilhões, o corte anunciado por Bush é mínimo, não refresca nada", diz Marcos Jank, presidente do Icone.

O caso mais dramático é a soja. Os subsídios do governo americano aos produtores de soja, que foram de US$ 610 milhões em 2004, vão chegar a US$ 1,5 bilhão em 2005 e US$ 3,25 bilhões em 2006. "Isso vai potencializar a queda dos preços", diz Jank.

Os produtores de países como EUA e os membros da União Européia (UE) recebem subsídios, seja na forma de pagamentos mínimos ou cheques complementares em épocas de baixos preços. Como têm esses pagamentos garantidos, os agricultores continuam expandindo a produção ou as vendas mesmo quando os preços estão baixos. Isso deprime ainda mais os preços.

Se o mercado funcionasse sem intervenções, os fazendeiros reduziriam a produção quando os preços estivessem em baixa, o que levaria o mercado a se ajustar e os preços a subir. Com os subsídios, o produtor continua produzindo no mesmo ritmo quando o preço cai e isso agrava a baixa cíclica do preço.

Para os produtores de soja brasileiros, essa é uma péssima notícia. Eles já tiveram de enfrentar uma queda de 43% nos preços nos últimos 12 meses. Queda que deve se aprofundar por causa dos subsídios dos EUA.

No fim de janeiro, em Botucatu (SP), o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, afirmou que o produtor estava informado dos riscos e a saída era "enfrentar o mercado". O ministro ressaltou que vinha alertando os produtores, desde agosto passado, de que os custos seriam crescentes e os preços no mercado internacional estariam caindo. "É uma situação complicada para todos nós produtores", disse Rodrigues.

Nem todos. "A diferença é que os produtores americanos estão protegidos, continuam ganhando mesmo quando os preços caem, enquanto os brasileiros ficam sujeitos à montanha-russa do mercado", diz Jank. "Temos um cenário terrível para os produtores brasileiros nos próximos dois anos."

Para Pedro de Camargo Neto, presidente da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Suínos (Abipecs) e ex-secretário de Produção e Comercialização do Ministério da Agricultura, o governo deveria iniciar um contencioso na OMC questionando os subsídios à soja, a exemplo do que fez com o algodão e açúcar.

LEI AGRÍCOLA

Para Jank, o corte nos subsídios anunciado para o orçamento que estará em vigor em 2006 é um bom sinal. "Os EUA precisam reduzir seu déficit orçamentário, portanto estão dando sinais para os lobbies agrícolas que não haverá mais subsídios nababescos."

Na semana passada, Bush anunciou um limite de US$ 250 mil em subsídios, por ano, por fazendeiro. Atualmente, esses pagamentos podem ultrapassar US$ 1 milhão. Além disso, ele anunciou uma redução de 5% em todos os pagamentos de subsídios aos agricultores. No total, os cortes são de apenas US$ 587 milhões para 2006.

Mas já é uma situação bem diferente do ano 2000. Quando começou a ser discutida a Lei Agrícola de 2002, os EUA tinham superávit orçamentário. Na Lei de 2002, foram duplicados os gastos com subsídios, de US$ 100 bilhões em 10 anos, para US$ 196 bilhões.

A próxima lei agrícola só começa a ser discutida oficialmente no ano que vem. Mas o anúncio de cortes feito por Bush antecipou a discussão, indicando que a fase de gastança com os produtores acabou.

OMC

Apesar do corte simbólico, o grande volume de subsídios deste ano deve aumentar muito a pressão internacional sobre os EUA. O grande impasse das negociações da Rodada Doha, que terá uma reunião ministerial em dezembro em Hong Kong, é a agricultura. "Se os preços agrícolas continuarem caindo, produtores do mundo inteiro vão pressionar os EUA", diz Jank.

Além disso, no início de março, sai o resultado final do painel do algodão. Em 2003, o Brasil entrou com queixa na OMC contra programas de ajuda doméstica e os créditos dados pelo governo americano a seus produtores de algodão.

Em abril de 2004, a OMC deu ganho de causa ao Brasil, declarando que os americanos deveriam retirar os subsídios às exportações de algodão e extinguir os programas de apoio aos produtores. Os americanos apelaram e a decisão final da OMC é esperada para o mês que vem.

Segundo especialistas, a vitória do Brasil pode ser um precedente muito importante, porque muitas das práticas condenadas no painel do algodão são usadas também no incentivo à produção de outros bens agrícolas.