Título: Não é fácil ser empresa chinesa no Brasil
Autor: Marcelo Rehder
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/02/2005, Economia, p. B3

Empresas como a Gree, Huawei, SVA e ZTE enfrentam obstáculos para conquistar o mercado local

Não é fácil ser multinacional chinesa no Brasil. As quatro principais empresas presentes no País - Huawei, Gree, ZTE e SVA - lutam para adaptar-se à cultura brasileira. Burocracia, um número reduzido de fornecedores, escala menor, preconceito contra produtos chineses e câmbio instável são alguns dos obstáculos. "Estamos aprendendo", diz Martin Wang, vice-presidente da SVA. Essa empresa inundou o mercado brasileiro com aparelhos de DVD de R$ 350, fabricados em Manaus, para desespero dos concorrentes nacionais. "Na China, tudo é mais negociável e a palavra basta; aqui é mais difícil."

A China tem uma enorme experiência em receber investimentos estrangeiros - foi a líder no ano passado, com US$ 60 bilhões. Mas investir no exterior ainda é uma novidade para os chineses, diz Paul Liu, presidente da Câmara Brasil-China de Desenvolvimento Econômico.

"Essas companhias se tornaram mistas - parte estatais, parte privadas - só dez ou quinze anos atrás, por isso ainda têm pouca experiência internacional", diz Liu. Segundo ele, um dos principais problemas das empresas chinesas no Brasil é a flutuação da moeda. Na China, a moeda local, o yuan, tem a cotação controlada pelo governo.

Apesar dos obstáculos, o Brasil é a grande aposta dos chineses. No ano passado, metade de todos os investimentos estrangeiros diretos da China, US$ 18,5 bilhões, vieram para a América Latina. E as empresas chinesas instaladas no Brasil não param de crescer.

A Gree, que produz aparelhos de ar-condicionado em Manaus, dobra a produção todo o ano desde que chegou ao País, em 2001. Mas não foi fácil se firmar no mercado brasileiro. Segundo Yue Haiping, diretor geral da Gree, uma das dificuldades é o fornecimento de matéria-prima. Na China, há centenas de fornecedores para cada componente. No Brasil, às vezes, existe apenas um. A escala é outro problema. O mercado total de ar-condicionado no Brasil é 1 milhão por ano, ante 30 milhões na China.

A Gree também precisou lutar contra o preconceito em relação a produtos chineses. "No início, tínhamos dificuldade para convencer os consumidores a comprarem nossa marca", conta Haiping. "Por isso, quando entramos no mercado, resolvemos oferecer 5 anos de garantia no compressor, para mostrar nossa qualidade."

A SVA aposta firme nos produtos mais populares. Seu DVD de R$ 350 desbancou muitos concorrentes nos supermercados. Agora, a empresa se prepara para lançar computadores populares, a partir de US$ 300 (cerca de R$ 840).

A ZTE também entrou com um produto ultrapopular para conquistar mercado. No ano passado, a empresa vendeu 1,25 milhão de celulares para a Vivo, em um contrato de US$ 100 milhões. Seu celular é um dos mais baratos do mercado, vendido às operadoras por R$ 240.

Mas na parte de infra-estrutura de telecomunicações a empresa ainda não conseguiu se firmar. Está concorrendo para conseguir contratos de fornecimento de infra-estrutura de telefonia fixa e celular. Tem uma fábrica em Alphaville pronta para iniciar a produção de equipamentos de telecomunicações (os celulares já são montados aqui pela Flextronics), mas ainda não tem escala.

Edson de Melo, diretor de Desenvolvimento Estratégico da ZTE do Brasil, aposta no poder de fogo da empresa. "As empresas chinesas, como têm baixíssimo custo de mão-de-obra e pesquisa e desenvolvimento, têm uma margem imensa para trabalhar", diz. "A capacidade das empresas chinesas de dar desconto desperta uma imensa inimizade."

João Pedro Flecha de Lima, vice-presidente da Huawei do Brasil, acha que a experiência chinesa ajuda muito no Brasil. "Brasil e China são muito parecidos: são países de grande extensão territorial, grande população e muita desigualdade", diz. "Nós temos experiência em atender a população de baixa renda." A Huawei é a maior fabricante de equipamentos de telecomunicações da China.