Título: Governabilidade e agenda
Autor: José Genoino
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/03/2005, Espaço Aberto, p. 2

Nos últimos 15 anos muito se discutiu aqui, no Brasil, o tema da governabilidade relacionado à necessidade de uma sustentação majoritária do governo no Congresso. Daí foi que surgiu a expressão "presidencialismo de coalizão", para definir essa necessidade. Mas a garantia da governabilidade e a eficácia governamental não se esgotam na montagem da coalizão majoritária. Existem outras questões para a garantia da governabilidade e da eficácia tão ou mais importantes que a montagem da coalizão majoritária. Questões geralmente relegadas a um segundo plano. Uma destas questões cruciais consiste na definição de uma agenda política de prioridades. De modo geral, a agenda deve-se desdobrar em duas direções: uma, de ações e iniciativas governamentais; outra, legislativa e orientada para o Congresso. A agenda do País não pode ser definida apenas como função das relações internas do sistema político, mas também como função da relação do sistema político com a sociedade. A sociedade deve saber quais são os planos, as metas e os objetivos do governo. Caso contrário, instala-se uma crise na funcionalidade do governo, que consiste em governar a sociedade de forma relacional, orientado por uma agenda de ações, metas e objetivos.

A existência de uma agenda e o incremento de ações segundo os objetivos que ela estabelece revelam a capacidade de um governo imprimir sentido e direção ao sistema político e ao país. Revela também a capacidade de um governo deter em suas mãos a iniciativa política e administrativa, pautando os outros agentes políticos, sociais e econômicos. Em suma, a existência de uma agenda e a eficácia em sua execução são indicadores da capacidade de governança e de comando de um governo, fator que constitui sua virtude própria. Um governo sem agenda e sem capacidade de executá-la vai depender da sorte e estará freqüentemente suscetível a crises nas relações com o sistema político e com a sociedade.

Na última reunião ministerial de 2004, o governo definiu um conjunto de prioridades. Cabe agora à primeira reunião do Ministério reformado detalhar aqueles eixos prioritários em ações concretas, definindo uma agenda clara das ações de governo para 2005. As iniciativas orientadas para consolidar o crescimento econômico e a geração de emprego, no nosso ponto de vista, deveriam ter preeminência na hierarquia das prioridades. Dentro deste eixo, por exemplo, é necessário dar exeqüibilidade à política industrial, aos investimentos em infra-estrutura, às reformas microeconômicas e a medidas que consolidem a poupança e o crédito.

As prioridades nos eixos de educação, saúde, reforma agrária, combate à desigualdade social, ações de desenvolvimento regional e integração nacional, segurança pública, eficiência na gestão e iniciativas de reformas democráticas também precisam ser detalhadas em ações concretas. Uma agenda executiva não se pode definir apenas por eixos gerais. As prioridades precisam ser definidas em medidas e ações.

A outra direção da agenda, a legislativa e orientada para o Congresso, embora possa ser específica, pode ter uma série de pontos em articulação com as iniciativas e ações governamentais. No eixo do desenvolvimento econômico e da geração de empregos, por exemplo, boa parte do incremento da agenda microeconômica depende da aprovação de medidas no Congresso. Temas como aperfeiçoamento do marco regulatório (agências), defesa da concorrência e incentivo ao biodiesel, entre outros, necessitam da aprovação de projetos de lei ou de medidas provisórias. Outro exemplo de articulação são os temas da educação, com destaque para o ProUni e a reforma universitária.

O acordo para dar continuidade à votação da reforma tributária é um bom exemplo do tipo de iniciativa que o governo e o sistema de representação política devem adotar para fazer com que a governabilidade seja realmente exercida e para que funcione com eficácia. A reforma política, depois de uma série de indefinições e incertezas, parece que também vai ganhando embocadura para se tornar prioridade na agenda de 2005. É quase certo que, ao menos, alguns pontos da reforma política serão apreciados ainda neste ano. Como a reforma e as mudanças nas instituições políticas serão processuais, o Congresso poderá aprovar alguns pontos para entrarem em vigor desde já e outros para vigorarem a partir de 2008. O importante é que a sociedade, os partidos e o governo ampliem a discussão sobre o conteúdo e o sentido da reforma política.

É preciso notar que boa parte da modernização do sistema político, eleitoral e partidário e o combate à corrupção estão implicados justamente na aprovação de pontos da reforma política. Ou seja, será a reforma política um fator essencial para o aprofundamento do caráter democrático do Estado e para a ampliação dos níveis de transparência do poder público.

Se a reforma política parece avançar, a reforma sindical ainda se encontra num ponto de indefinição. O elevado grau de consenso alcançado no Fórum Social do Trabalho entre trabalhadores, empregadores e governo não deveria deixar dúvidas quanto à viabilidade de sua aprovação no Congresso. Por fim, não se pode deixar de lembrar que o Congresso também deveria explicitar uma agenda de prioridades internas, relacionadas a pontos que há muito são cobrados pela sociedade. A redução do período do recesso parlamentar, o fim das convocações extraordinárias e a reforma dos regimentos fazem parte de um rol de medidas modernizadoras e moralizadoras do Legislativo.

José Genoino é presidente do PT