Título: Conviver para sobreviver
Autor: DORA KRAMER
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/03/2005, Nacional, p. A6

Presidente do PMDB diz que sem paz interna partido perde valor como aliado eleitoral O presidente do PMDB, deputado Michel Temer, aborrece-se, isso é evidente, com o fato de ser solene e sistematicamente ignorado nas tratativas entre o governo federal e pemedebistas eleitos como operadores oficiais do Planalto na tentativa de transferir o partido todo para a área de influência do governo e assegurar desde já o apoio à reeleição do presidente Luiz Inácio da Silva. No início, Temer ainda era convidado para essas conversas, a fim de emprestar a elas um caráter institucional. Mas há muito que o núcleo de poder só trata com os senadores José Sarney e Renan Calheiros, ex e atual presidentes do Senado. O distanciamento consolidou-se de vez quando, em convenção realizada no fim do ano passado, o PMDB decidiu ter candidatura própria em 2006 e não ocupar cargos na administração federal.

Desde então, Lula fez saber a mais de um interlocutor seu desinteresse em falar com os oposicionistas, aos quais reserva a denominação de "aquela gente".

Michel Temer não compreende o sentido da recusa, pois, segundo ele, nunca pediu audiência, nunca telefonou ao presidente nem reivindica o comando das negociações que avalia inúteis enquanto o PMDB não conseguir encontrar uma forma algo razoável de convivência entre as alas governista e oposicionista.

"Ainda assim, acho institucionalmente inadequado um presidente da República no exercício legítimo de seu mandato conversar com um partido sobre alianças políticas fazendo-se indiferente à existência de uma direção eleita e igualmente na vigência legítima de um mandato."

Mas, se Lula o chamasse, haveria possibilidade de entendimento nos termos pretendidos pelo presidente?

"Pessoalmente, acho que não, mas não é a vontade da cúpula que deve preponderar. Antes de pensar em fazer aliança com quem quer que seja, o partido precisa promover sua coalizão interna. Do contrário, ficará cada vez mais desmoralizado e, em conseqüência, desvalorizado como parceiro para coalizões externas", pondera Michel Temer.

O deputado sustenta seu raciocínio na evidência mais recente dessa divisão: a dificuldade de o PMDB conseguir eleger um mero líder de bancada na Câmara dos Deputados.

Em virtude do racha, desde meados de fevereiro dois representantes dos grupos adversários alternam-se no posto por conta de uma disputa em que ora os oposicionistas conseguem maioria para indicar Saraiva Felipe, ora os governistas obtêm número de assinaturas suficientes e põem José Borba na liderança da bancada. Resultado, nenhum dos dois dispõe de legitimidade para liderar a bancada pelo período regulamentar de um ano.

Na contabilidade de seu presidente, o PMDB está hoje assim dividido: na Câmara é meio a meio, no Senado o governo tem maioria folgada, nos diretórios regionais a hegemonia é da oposição e nos governos dos Estados a situação é híbrida. Rosângela Matheus e Anthony Garotinho, do Rio de Janeiro, Germano Rigotto, do Rio Grande do Sul, e Jarbas Vasconcelos, de Pernambuco, são francamente contrários à adesão ao Planalto.

Roberto Requião, do Paraná, Joaquim Roriz, do Distrito Federal, e Luiz Henrique, de Santa Catarina, em tese integram o time dos aliados a Lula.

Mas só em tese, porque na prática se tratam de apoios fluidos. Requião nutre a esperança de ser candidato fazendo uma linha mais à esquerda, Rigotto já assume com alguma desenvoltura o desejo de postular a candidatura, Luiz Henrique nesta semana enviou mensagem ao presidente do Senado desautorizando-o como porta-voz do partido e declarando apoio à pré-candidatura do governador do Rio Grande do Sul. Roriz apoiou a decisão dos convencionais pela candidatura própria, em dezembro, mas desde então calado ficou.

Fosse chamado pelo Palácio do Planalto para conversar, Michel Temer diz que traçaria esse cenário ao presidente e nada mais poderia lhe garantir.

A preliminar, insiste, é o acerto interno. Bom para os dois lados, na visão dele. Admite que o grupo de sua preferência, o de oposição, é politicamente mais frágil, por atuar sem os instrumentos de poder disponíveis quando era aliado do governo anterior. Mas, em compensação, essa ala tem força na estrutura do partido. "O governo tentou nos triturar, mas, com ministérios e tudo, não ganhou nenhuma disputa interna nem conseguiu assegurar a liderança na Câmara."

O problema, na opinião de Michel Temer, é que esse puxa-estica de um lado e de outro acaba anulando a força do PMDB como legenda de maior presença nacional. "Seremos sempre uma parte acoplada ao projeto político de um outro partido e, assim, vamos ficando sem expectativa real de poder."

Ilusão de promover a unidade firme e definitiva, Michel Temer não tem. Sua proposta é intermediária: que os dois grupos acertem um modo de convivência em 2005 pelo qual os oposicionistas aceitam como fato consumado que os governistas ocupem cargos e estes, em contrapartida, deixam a questão da sucessão presidencial para ser resolvida em 2006 quando, então, tudo pode acontecer.

Até a aliança pela reeleição de Lula?

"Se tiverem votos suficientes para convencer o partido e ganhar a convenção, será essa a posição do PMDB."