Título: Há mais de 20 anos, região é cenário de conflitos
Autor: Vannildo Mendes
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/02/2005, Nacional, p. A4

RIO Conflitos entre proprietários de terras, posseiros, trabalhadores rurais e madeireiros. Fiscalização falha das atividades comerciais. Necessidade da criação de uma Justiça Agrária. Polícia mal estruturada para coibir a violência. Exploração predatória da floresta. Em 1982, era esse o quadro da extrema tensão social no Pará traçado em relatório da Secretaria de Segurança do Estado. O documento foi encaminhado ao Ministério da Justiça, no governo do general João Baptista Figueiredo, o último presidente do regime militar. Passados 23 anos, os mesmos fatores compõem o cenário de violência na disputa pela terra. São citadas sete "situações mais comuns", entre elas "grupos sem escrúpulos procurando tomar conta de mais áreas e desumanamente alijar posseiros miseráveis e desassistidos". Por outro lado, fala de "fazendeiros, empresários ou proprietários abruptamente injustiçados pela ocupação de suas glebas sob ação de invasores e especuladores".

"Diante de quadro tão sombrio, é óbvio que os problemas seriam inevitáveis. Surge a imperiosa necessidade da presença de autoridades, sejam policiais, sejam judiciárias, visando a manter o equilíbrio social", diz o documento, que aponta a "necessidade de criação da Justiça Agrária", como forma de "diminuir as lutas oriundas das atividades agrárias e das relações que dela emergem".

O relatório da Secretaria de Segurança está entre centenas de documentos que fazem parte do acervo da antiga Divisão de Segurança e Informação do Ministério da Justiça, guardado no Arquivo Nacional, no Rio. Diz que "destacamentos policiais precários e desequipados, Poder Judiciário sem condições de funcionamento e violências inomináveis formam o caldo de cultura para a realidade com que se defronta".

Os problemas fundiários do Pará, ressalta outro trecho, decorrem de "ação de grileiros e posseiros especuladores da invasão", da ocupação descontrolada da Amazônia, da falta de demarcação das terras indígenas e do furto de madeira, entre outras causas.

Em muitos aspectos, o diagnóstico de 1982 se aproxima da realidade atual. Em outros, porém, há uma grande distância. As autoridades policiais paraenses alertavam para a presença de partidos de esquerda nos movimentos sociais. "A tensão social oriunda dos litígios de terra no Pará é campo fértil para propagação de ideologia extremista, de possível aproveitamento por organizações subversivas, principalmente o PC do B." O relatório fala ainda em "minorias subversivas que nessas ocasiões são atuantes" e propõe a interação das polícias estaduais com a Polícia Federal "para identificar os responsáveis pela agitação no meio rural". Também exalta a criação da Delegacia de Ordem Social, um braço do temido Departamento de Ordem Política e Social (Dops), "com policiais treinados para questões fundiárias".