Título: Terra do Meio domina denúncias de grilagem
Autor: Roldão Arruda
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/02/2005, Nacional, p. A5

E, dos 12 assassinatos de trabalhadores rurais este ano no Pará, 6 ocorreram na região ANAPU Com dez municípios localizados numa área equivalente a Santa Catarina, a Terra do Meio, entre os Rios Xingu e Tapajós, cortada pelas Rodovias Transamazônica e BR-163 (Cuiabá-Santarém), é campeã em denúncias de trabalho escravo, extração ilegal de madeira, pistolagem e grilagem de terras. Dos 12 assassinatos de trabalhadores rurais ocorridos este ano no Pará, seis aconteceram na região. Só na última semana foram quatro mortes, incluindo a da irmã Dorothy. Construídas pelo regime militar, as duas rodovias nunca foram pavimentadas, mas mesmo assim se tornaram alavancas de uma ocupação desordenada que causou sérios danos ambientais. Na época de chuvas intensas (que vão de janeiro a abril), as estradas ficam intransitáveis. Atoleiros, erosões gigantescas e o transbordamento de rios transformam o tráfego da região em aventura arriscada.

Nos últimos cinco anos, com a promessa de asfaltamento das duas rodovias e de energia farta, que estaria disponível depois da construção da hidrelétrica de Belo Monte, a situação se agravou em Anapu e vizinhanças. Junto com os sem-terra em busca de lotes, vieram grileiros e aventureiros, de olho na valorização das terras. Com eles, chegaram os pistoleiros, cuja tarefa é intimidar e afastar os nativos e assentados.

MORTE AO GOVERNO

Mas os forasteiros encontraram forte resistência em ONGs que atuavam lá, como o Greenpeace, e de movimentos sociais religiosos, alguns radicais e movidos por inspiração revolucionária. Um deles é o Movimento de Mulheres do Baixo Amazonas, que mandou representantes ao enterro da irmã Dorothy. Durante a cerimônia, a militante Eunice Sena distribuiu o manifesto intitulado Lágrimas Que Poderiam Ter Sido Evitadas, que pregava a vingança e terminava com uma forte exaltação: "É preciso declarar morte aos grileiros, aos latifundiários, aos madeireiros ilegais, aos sojeiros que trocam a floresta por grãos. Morte aos opressores, morte aos exploradores, morte ao Estado ausente".

Com a explosão demográfica e a ocupação desordenada, as tensões se agravaram, a pobreza se instalou e a matança assumiu proporções incontroláveis. Anapu não tem comarca, juiz, promotor ou defensor público. A polícia é acusada de ser cooptada pelo poder econômico dos grileiros, madeireiros e fazendeiros. "O maior problema, além da ausência do Estado, são os forasteiros, sobretudo os que têm dinheiro, que impõem a lei da força", lamenta o prefeito de Anapu, Luiz dos Reis (PTB).

Segundo denúncia da Comissão Pastoral da Terra (CPT), a região é campeã também em crimes contra os direitos humanos. "Virou um ninho de pistoleiros ante a omissão total do Estado", revela o frei Henri des Roviers, advogado da CPT no sul do Pará e um dos militantes mais visados pela pistolagem. Em seus 27 anos de militância no Brasil, o frei francês (naturalizado brasileiro) garante que pelo menos 25 matadores atuam na região. Numa tabela de pistolagem descoberta pela polícia paraense há alguns meses, o nome do frei aparecia com o mais alto preço: R$ 200 mil.