Título: 'Acabou a história de Zé Dirceu dizer o que será votado'
Autor: SEVERINO CAVALCANTI
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/02/2005, Nacional, p. A10

Severino diz que não aceitará pressões, não haverá mais "rolo compressor"e o governo terá de respeitar a Câmara.

BRASÍLIA As medidas provisórias não serão mais aceitas automaticamente pelos parlamentares e poderão ser devolvidas ao Palácio do Planalto, caso não sejam consideradas urgentes e/ou relevantes para o País. A afirmação é do novo presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), que assumiu o cargo na terça-feira, levando o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a amargar sua maior derrota no Congresso. Em entrevista ao Estado, Severino promete fazer uma mudança radical na Câmara: "Acabou essa história de o Zé Dirceu (o ministro da Casa Civil, José Dirceu) dizer o que vai ser votado." Ainda sob o impacto da vitória, o presidente da Câmara assegura que não haverá mais "rolo compressor" do governo nos deputados, "até porque aqui não existe estrada".

Aos 74 anos e em seu terceiro mandato de deputado federal, Severino reafirma que vai aumentar o salário dos parlamentares. Também diz não ver grandes diferenças entre a atual política econômica e a do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de quem era aliado.

O que o senhor está achando de ser presidente da Câmara?

É uma maravilha. Estou me realizando. Até as críticas são boas. Eu aceito. Até as humilhações que querem fazer. Não fico chateado. Isso para mim só faz me elevar porque mostra que Severino Cavalcanti conseguiu chegar ao mais alto cargo do Poder Legislativo.

Como o senhor vai se comportar em relação a projetos polêmicos, como a questão do aborto, a permissão de pesquisa em células tronco e a união civil entre pessoas do mesmo sexo?

Sou presidente de todos os deputados. Não sou presidente de segmentos. Tenho de fazer tudo com justiça e com seriedade. Não poderei impedir nem atrapalhar nem criar obstáculos para que aqueles que têm idéias contrárias às minhas não possam levar adiante sua intenção. O que vou fazer é deixar a presidência na hora da votação e ir para o plenário e combater a proposta. Essa é uma prerrogativa que tenho como deputado.

O que o senhor pretende fazer para evitar o excesso de medidas provisórias?

Tenho o melhor relacionamento com o presidente da República. Ele sabe e tem consciência de que essas medidas provisórias prejudicam o trabalho dos parlamentares. O presidente Lula foi deputado e tem muito respeito por esta Casa. Não vai haver dificuldades para encontrar um "modus vivendi" das medidas provisórias, que são prejudiciais à vida e à ação dos parlamentares.

As medidas provisórias que não forem consideradas relevantes e urgentes poderão ser devolvidas ao Planalto?

Exatamente, eu posso devolver. É o que vamos analisar aqui. A medida provisória pode não ser aceita. A comissão mista (que analisa as medidas provisórias editadas pelo governo) é que vai dar o parecer. Farei cumprir o regimento da Casa e vou formar as comissões.

Os relatores das MPs e de projetos de interesse do governo sempre foram escolhido de acordo com os interesses do Planalto. Como será o seu critério para designar os relatores?

Não ficará um joguinho de só ter os mesmos relatores. Vamos dar oportunidade a todos os parlamentares. Não repetirei deputado na relatoria. Vai haver um rodízio, inclusive com os partidos de oposição. Isso não vai criar confusão para o governo porque agora tem um novo espírito aqui, que é de trabalho, de respeito. Quero servir ao País, como o Lula está servindo ao País.

Uma das críticas que se faz ao líder do governo na Câmara, Professor Luizinho (PT-SP), é que ele é agressivo e atua como trator, com rolo compressor.

Antes tinha presidente da Câmara e líder com o mesmo pensamento. Agora vai ter de respeitar o presidente da Casa. Ele não será trator jamais. Será aquele homem que vai prestar serviço ao País. Não vai existir trator porque aqui não é estrada. Não podemos conviver com intransigência.

Há críticas severas da sociedade sobre a proposta de aumento salarial dos deputados. Diante da pressão da sociedade, o senhor pode rever essa posição de reajustar salários?

Vou fazer o que a Constituição manda fazer, que é equiparar o salário dos deputados ao dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Serei fiel cumpridor da Constituição. Agora por que não reclamam do Supremo? Por que só reclamam do salário de deputado? Eles que reclamem também do Supremo, que é o primeiro a aumentar o salário.

Qual a reforma política ideal?

Primeiro, acabar com essa história de troca de partidos. Isso é uma imoralidade, uma indecência. Não posso me conformar que um parlamentar entre de manhã em um partido e saia dele de noite. Isso não tem como se aceitar. Temos de ter a fidelidade partidária, que controle essas ações.

A política econômica do atual governo é igual a do ex-presidente Fernando Henrique?

O presidente Lula tem um grande ministro na área econômica, que é o Antonio Palocci. Ele está seguindo uma linha certa. Mas está faltando dar um maior apoio ao pequeno e médio produtor e acabar com as dificuldades de acesso ao crédito dos bancos oficiais. A política econômica mudou pouca coisa porque as diretrizes do governo Fernando Henrique estão sendo mais ou menos seguidas pelo governo atual. E não vejo falha nenhuma nisso, porque quando há uma obra boa tem de ter continuidade.

E a política de juros?

Isso tem de ter uma revisão. Os juros estão sufocando o pequeno e médio empresário. É a classe média quem paga esses juros altos. Os grandes empresários e as multinacionais são beneficiados porque descarregam os juros altos no preço dos produtos, penalizando o consumidor. Meu posicionamento é que os juros estão muitos altos e temos de encontrar uma maneira de pôr uma barreira.

Por que o senhor é contra a autonomia para o Banco Central?

Porque eles são muito autônomos e fazem o que bem entendem. Tem de ter uma certa barreira e ficar submetido ao crivo do presidente da República.

O presidente do seu partido, deputado Pedro Corrêa (PP-PE), é alvo de denúncias de falta de decoro parlamentar.

Quem tiver pecado, tem de pagar. Seja quem for, irei às últimas conseqüências. Agora não se pode jogar ninguém à execração pública sem ter provas concretas. O deputado Pedro Corrêa tem um processo, que deve ser encaminhado ou para as providências devidas ou para o arquivamento se não tiver provas. Dentro de um mês resolverei todos esses problemas.

Como será feita agora a pauta de votações da Câmara?

Não posso ter um bom desempenho na presidência da Casa se ignorar os líderes. Farei todo o possível para sempre haver identificação entre os líderes e a presidência da Casa. Não estamos em uma ditadura. Estamos em um regime democrático.

O sr. está na Câmara há 10 anos. O que mudou nesse período?

Desde que cheguei não houve grandes modificações. Até porque os presidentes da Casa eram todos do governo. Eram eleitos pelo governo e tinham de fazer o que o governo queria. Agora vai mudar um pouco. A ordem do dia vai ser feita aqui. Não vai ser mais o Zé Dirceu que vai fazer e dizer o que vai ser votado. No governo FHC era a mesma coisa. Isso vai acabar, vai ser a grande mudança. A Casa vai ter autodeterminação. Tenho o melhor relacionamento com o presidente Lula. Eu o respeito, mas ele vai respeitar a Casa.

Mas o senhor será pressionado pelo governo...

Sou suficientemente capaz para enfrentar o governo. Não aceitarei pressão de ninguém. Não abrirei mão dos princípios éticos e morais.