Título: Solução para precatórios
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/03/2005, Editoriais, p. A3

O Supremo Tribunal Federal (STF) poderá propor uma nova solução para o vergonhoso problema dos precatórios, um enorme calote imposto por Estados e municípios a milhares de credores seus. O total dessa dívida é estimado entre R$ 42 bilhões e R$ 44 bilhões. Uma saída poderá ser a liquidação desses precatórios - ordens judiciais de pagamentos - com títulos públicos negociáveis no mercado financeiro e talvez utilizáveis para o pagamento de tributos. O setor público apenas converterá uma dívida em outra. Para muitos credores, poderá ser o fim de uma espera custosa, tremendamente injusta e hoje sem prazo para terminar.

Técnicos ainda estudam alternativas que serão avaliadas pelo presidente do STF, ministro Nelson Jobim. A ex-secretária da Previdência Complementar Solange Paiva participa do trabalho, examinando formas de utilização dos títulos. O esforço é animador. O ideal seria o pagamento em dinheiro, num prazo razoável, aos credores de Estados e municípios, mas a emissão de títulos para o acerto de contas pode ser a solução realista em termos financeiros e políticos.

Legalmente, os governos caloteiros são passíveis de punição pela Justiça. O STF tem poder para decretar intervenção nos Estados e municípios que não liquidam os precatórios. Processos foram iniciados contra vários governos estaduais, mas nunca se chegou à decisão mais drástica. A mera intervenção seria inútil. O interventor seria provavelmente incapaz de regularizar a situação, por falta de recursos. Mas, ainda que houvesse dinheiro suficiente para a liquidação das contas, o pagamento só seria possível se todas as funções de governo ficassem paralisadas.

Não vale a pena decretar uma intervenção quando não há esperança de eliminação do problema. Isso apenas serviria para desmoralizar a decisão judicial. Além disso, o custo político de uma intervenção pode ser muito alto. Como assumir um risco tão alto, quando o benefício previsível é muito pequeno ou quase certamente nulo?

O problema dos precatórios tornou-se amplo demais para comportar solução em prazo curto. Os débitos acumularam-se durante décadas, num tempo em que a disciplina fiscal dependia exclusivamente, ou quase, da vontade e das qualidades pessoais dos governantes.

Sem controle eficaz de seus atos, governadores e prefeitos foram livres, durante muito tempo, para agir como se os compromissos estatais se esgotassem no final de cada mandato. Na prática, as dívidas eram transferidas para os governantes seguintes.

Estes pagavam apenas uma pequena parte, ou nenhuma, e empurravam para os sucessores o bolo crescente dos débitos acumulados. Para que acertar as contas, se era muito melhor gastar em obras visíveis, fazer novas desapropriações de imóveis sem pagamentos a curto prazo e juntar novas dívidas àquelas já em atraso?

Foram criadas, com mudanças legais, oportunidades para que prefeitos e governadores liquidassem os precatórios em prazos longos, mas o efeito foi muito limitado. Como faltou controle eficiente, as obrigações foram descumpridas e o problema continuou a avolumar-se nos anos 90.

A Justiça contribuiu para isso, com sua morosidade. A lentidão dos processos é um estímulo a mais para os governantes protelarem os pagamentos.

Todos os credores forçados a esperar longamente por um pagamento incerto sofreram injustiça. Para muitos, no entanto, a injustiça foi particularmente cruel. Muitos desses credores perderam, por desapropriação, um imóvel que representava a poupança de muitos anos. Esse imóvel poderia ser a principal garantia de tranqüilidade na velhice ou em tempos difíceis.

Como a lei exige o respeito à ordem cronológica dos precatórios, muitos credores de pequenas quantias, em geral os mais necessitados, são forçados a esperar numa fila muito longa, para conseguir um ressarcimento quase sempre insatisfatório. Se o governo tiver liquidado um grande precatório, a fila poderá ficar parada por muito tempo.

Seja qual for a solução proposta pelo STF, será bom que os técnicos dêem atenção especial a esses credores mais vulneráveis. Para muitos, o dinheiro do precatório pode ser a diferença entre uma vida tolerável e uma vida de privações severas.