Título: Três elétricas devem R$ 18 bilhões
Autor: Renée Pereira
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/03/2005, Economia, p. B1

Dívida de Eletropaulo, Cesp e Light é maior do que o lucro da Petrobrás e representa 35% do total da dívida do setor elétrico Boa parte do endividamento do setor elétrico está concentrado nas mãos de apenas três empresas: Companhia Energética de São Paulo (Cesp), Light e Eletropaulo. Juntas, elas detêm 35% da dívida das elétricas no País, que somava R$ 53 bilhões em setembro, segundo dados da consultoria Economática coletados junto a 28 companhias de capital aberto na área de energia. A dívida das três, no valor de R$ 18,3 bilhões, supera o lucro recorde de R$ 17,8 bilhões obtido em 2004 pela Petrobrás, maior empresa brasileira. O estudo mostra que a dívida dessas empresas é bem superior ao seu patrimônio líquido. No caso da Light, distribuidora do Rio de Janeiro, o endividamento representa 760,9% do patrimônio; na Eletropaulo, 152,8%; e na Cesp; 153,5%. Quanto maior o índice, maior a dificuldade das empresas em conseguir empréstimos.

O quadro levou as três empresas a uma situação delicada nos últimos anos, com risco de calote e de intervenção do governo, no caso das privadas. Várias tentativas foram feitas para sanar os problemas, mas a saúde financeira das companhias continua debilitada, exigindo cuidados especiais - já que se trata de um serviço essencial para a população e que não pode ser prejudicado. Motivos não faltam para especialistas explicarem os resultados negativos, como erros na privatização, racionamento e elevado endividamento em moeda estrangeira.

Hoje, o foco está sobre Cesp e Light, que tentam encontrar, urgentemente, alternativas para honrar compromissos e sair do buraco. A exemplo da Eletropaulo, as duas empresas querem ajuda do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para se levantarem.

Sem dinheiro em caixa e com grande concentração de vencimentos, a distribuidora paulista conseguiu fechar, no ano passado, acordo com o banco estatal para pagar sua dívida. Em troca, o BNDES aumentou sua participação na empresa e alongou o restante do débito. A partir do ano que vem a empresa começará a pagar semestralmente as debêntures emitidas na ocasião. Se a concessionária não tiver dinheiro para honrar o pagamento, o banco não descarta uma reestatização temporária.

A Cesp, controlada pelo Estado de São Paulo, precisa de solução rápida para as dívidas que vencem a partir do segundo semestre. Para isso, a proposta prevê que o BNDES transforme parte de seus créditos, de R$ 1,2 bilhão com a Cesp, em ações da empresa e aumente sua participação no capital total da geradora de 1,4% para 28%. Além disso, o Estado quer transferir o controle da Companhia de Transmissão Elétrica Paulista (Ceteep) para a Cesp.

A Light batalha há meses a captação de US$ 230 milhões junto ao banco estatal para honrar compromissos com instituições privadas. Além disso, US$ 400 milhões estão sendo capitalizados pela sócia majoritária da empresa, a EDF. Em 2003, a estatal francesa colocou cerca de R$ 3 bilhões na distribuidora. Mas nada parece resolver o problema.

PRIVATIZAÇÃO

Na avaliação de especialistas, uma série de fatores explicam a complicada situação financeira dessas empresas. Segundo o ex-presidente da Eletrobrás, Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coppe/UFRJ, no caso das privatizadas a raiz do problema está no processo mal feito de desestatização. "Não houve planejamento. A venda das empresas foi uma fonte de recursos para cobrir dívida pública do governo."

Além disso, boa parte das estatais foi comprada com dinheiro do BNDES, cujos empréstimos não foram pagos, destaca ele, referindo-se à Eletropaulo. Segundo Pinguelli, o governo deixou que as estrangeiras criassem sedes em paraísos fiscais, complicando possíveis cobranças de dívidas. "Foi uma paixão louca; o governo pensava que para privatizar valia tudo. Não tenho dúvida de que muita gente ganhou muito dinheiro com essas transações."

Não é por acaso que a privatização das elétricas, especialmente da Eletropaulo, começa a ser investigada. Uma enxurrada de denúncias de remessas ilegais para o exterior e de outras irregularidades colocam em xeque o processo iniciado em meados da década de 90.

Para o sócio da PricewaterhouseCoopers, Wander Teles, outra falha da privatização foi não estabelecer critérios de capitalização das empresas e deixar que elas continuassem se endividando com base em tarifas elevadas. Mas, no meio do caminho, com alto endividamento em moeda estrangeira, se depararam com a desvalorização cambial em 1999. Os prejuízos aumentaram e a situação financeira ficou sem controle.

"Caberia ao órgão regulador fazer uma fiscalização nas empresas para saber se o endividamento era compatível. Vender energia não é vender sapato", argumenta o especialista no setor, Roberto Pereira D'Araújo.

No caso da Cesp, uma empresa que o governo estadual tentou durante anos privatizar, a situação também é bastante delicada. Mas o problema da estatal é explicado pela construção da usina Porto Primavera, que começou na década de 70 e só foi concluída na década de 90 e exigiu pesados investimentos. Além disso, para atrair investidores, a dívida das empresas privatizadas ficou com a Cesp, argumenta Pinguelli.

Para completar o quadro caótico das elétricas veio o racionamento de 2001, que reduziu o consumo do País, derrubou as receitas e diminuiu o fluxo de caixa das companhias, afirma Goret Pereira Paulo, da FGV . O resultado foi a queda na capacidade de pagamento. Por causa das perdas do racionamento, em 2003 o governo autorizou um pacote de ajuda às companhias de cerca de R$ 8 bilhões, lembra Pinguelli. "O BNDES foi muito generoso." Até o fim de 2004, a carteira de crédito do banco com o setor elétrico era de R$ 22,3 bilhões.

Há também problemas estruturais que prejudicam a recuperação das elétricas. Na Light, a inadimplência e o roubo de energia chegam a 20% do volume total, observa Teles. "Enquanto essa questão não for resolvida, a situação da distribuidora continuará perigosa. O alongamento de dívidas apenas joga para frente o problema."