Título: De Marta para Lula
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/03/2005, Notas e Informações, p. A3

Com uma batelada de entrevistas a jornais e emissoras, de volta de um passeio de 40 dias no exterior, a ex-prefeita Marta Suplicy deu início no final da semana passada à sua campanha ao governo paulista - a 18 meses do pleito. Tamanho açodamento tem sua razão de ser. Para ser indicada pelo PT, ela terá de passar por cima de dois outros pré-candidatos assumidos. Um é o deputado federal e ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, de quem se diz que poderá substituir Aldo Rebelo, do PC do B, como ministro da Articulação Política, ou o companheiro Professor Luizinho, como líder do governo na Casa. O outro, mais robusto, é o senador Aloizio Mercadante, eleito em 2002 com quase 10,5 milhões de votos. Durante os seus quatro anos como prefeita, Marta aplicou-se em criar um "PT martista" dentro do PT paulista. Fez valer na plenitude o proverbial princípio da política de patronagem - "aos amigos, tudo..." - investindo na reeleição dos vereadores petistas que haviam se mostrado fiéis primeiro a ela, depois ao partido, e tratando os demais a pão e água. Mas, incapaz de sopitar o ressentimento, deixou que o fracasso eleitoral de 31 de outubro lhe subisse à cabeça a ponto de levá-la a lançar sobre as costas do presidente Lula a responsabilidade pela sua derrota para José Serra - o que aborreceu não apenas o responsabilizado, mas setores ponderáveis da cúpula partidária. É esse mau passo que ela desde já está tentando corrigir.

Primeiro, dando o dito pelo não dito. Segundo, derramando o seu carinho pelo presidente. "Lula é um irmão", disse à Rádio Bandeirantes. "Ele é meu querido, dou o sangue pelo Lula." Terceiro e mais importante, mandando uma mensagem ao Planalto. Em todas as entrevistas, ela encaixou o equivalente a um silogismo que se comprovaria por si mesmo: a reeleição de Lula depende de São Paulo; a vitória dele no Estado, por sua vez, depende de o PT contar com um nome para o governo estadual que seja não apenas o mais apto a suplantar o do PSDB, mas também o mais determinado a "dar o sangue" pelo presidente; esse nome é Marta Suplicy.

"Tenho que pensar quem vai ter mais influência para a reeleição do Lula", respondeu ela, com aparente altruísmo, à pergunta do Estado sobre a sua candidatura ao Bandeirantes - como se imaginasse que poderia haver alguém mais influente do que ela. Para não deixar dúvidas, foi logo avisando a outros entrevistadores que vai viajar pelo Estado e pelo Brasil. "Farei grandes turnês", anunciou, recorrendo a um termo mais adequado ao mundo do show business do que ao da política. "A idéia é ajudar Lula." A ênfase com que ela tentou se apresentar como a grande eleitora do presidente deu às suas entrevistas uma característica peculiar. A uma leitura superficial, parece que giraram em torno do que se convenciona chamar terceiro turno.

É a situação na qual a prefeita derrotada trata de se defender das acusações do vencedor sobre o descalabro das finanças e obras municipais que herdou, e de revidar ao mesmo tempo, atribuindo as críticas recebidas a uma tentativa de "desconstruir" o seu governo "para ganhar o governo do Estado". No fundo, porém, a intenção - ou obrigação - de promover a sua gestão (e de profetizar o desastre da atual) perante o eleitorado em geral é pouco mais do que um complemento do que será o seu objetivo central pelo menos ao longo deste ano - impor-se a Mercadante e a João Paulo dentro do PT e, obviamente, junto ao presidente Lula, o juiz da disputa, em última análise.

Dito de outro modo, Marta recebe a imprensa para falar da cidade de São Paulo, mas a sua cabeça está voltada para a política interna de seu partido. A esta altura, não faz sentido querer antecipar a escolha petista. Mas é inegável que a ex-prefeita tem diante de si um caminho morro acima. Ela vem de uma campanha que não mobilizou a militância na escala que desejava e de uma derrota diante da qual o seu comportamento em nada contribuiu para mudar a sua imagem de pessoa petulante, ou arrogante - a antítese de Lula -, o que fez muitos eleitores lhe negarem o voto dessa vez. O tom de suas declarações à imprensa sugere que nada mudou no quesito temperamento.

Além disso, pesa contra Marta o azedume de muitos petistas com o enfeudamento do partido na capital. E pesará contra ela o fato de estar praticamente se arrogando a condição de fiadora da reeleição de Lula.

P.S. - Esse editorial já estava escrito quando o Ministério da Fazenda, pela primeira vez desde que a Lei de Responsabilidade Fiscal entrou em vigor, comunicou ao Senado que um governo municipal, o de Marta Suplicy, fez uma operação de crédito sem a devida autorização legal.