Título: A farra do boi
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Fonte: O Estado de São Paulo, 15/03/2005, Notas e Informações, p. A3

A "farra do boi", que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu que não se realizará em ano eleitoral, na verdade já começou. A esbórnia de gastos públicos, na montagem de uma máquina que apóie as pretensões eleitorais do partido no governo - a "farra do boi" -, pode ser comprovada tanto pelos dados do Boletim Estatístico de Pessoal, uma publicação técnica do Ministério do Planejamento, como pelos números do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), que reproduzem os efetivos dispêndios públicos.

Em dois anos, como demonstrou a jornalista Suely Caldas na edição de domingo do Estado, usando informações oficiais do Ministério do Planejamento, o governo federal contratou 45.580 novos funcionários civis. As despesas com pessoal cresceram R$ 23,1 bilhões no governo Lula, podendo chegar a R$ 28,6 bilhões no final de 2005, segundo os valores previstos no orçamento.

Houve, em dois anos, uma completa reversão da política de pessoal da União. Durante os dois governos do presidente Fernando Henrique, a meta era reduzir o número de funcionários e contemplar as carreiras ditas de Estado com aumentos diferenciados, para criar condições para a melhoria dos serviços prestados pela burocracia federal com um mínimo de impacto fiscal. Agora, contrata-se em massa e os aumentos, embora diferenciados, passaram a ser mais generosos, com os reajustes indo de 6,25% a mais de 100%.

O chefe da Casa Civil, José Dirceu, reconhece que o governo aumentou os gastos com pessoal, mas faz a ressalva: "Era uma demanda da modernização e do crescimento do País e não porque estamos desperdiçando gastos (sic)." Não é bem assim. Como qualquer usuário dos serviços públicos pode perceber, o inchaço do funcionalismo e da folha de pagamento não resultou na melhora correspondente do atendimento. Em compensação, pelo menos duas metas do PT foram atingidas, à custa do bolso do contribuinte.

Em primeiro lugar, foram criados ministérios e secretarias, com suas estruturas de apoio administrativo, no âmbito da Presidência da República. Ninguém sabe o que fazem, por exemplo, os Ministérios da Pesca e da Mulher, mas também não se desconhece que essas e outras estruturas que passaram a fazer parte do gabinete presidencial deram empregos a filiados e aliados do PT, derrotados nas duas últimas eleições. Por conta dessa "modernização", as despesas com a manutenção do gabinete presidencial cresceram 186,7% entre 2002 e 2004, com um aumento de 46,5% das despesas com pessoal. Onde se gastava, no final do governo Fernando Henrique, R$ 1,082 bilhão, gastaram-se R$ 2,573 bilhões em 2004, um aumento médio - custeio e pessoal - de 137,8%.

A outra meta atingida pelo PT foi a do "aparelhamento" da administração pública. Do total de mais de 45 mil novos servidores contratados desde 2002, 38.811 eram concursados. Os demais não tiveram sua competência comprovada por concurso público, sendo escolhidos por critérios político-partidários. Cargos em comissão, os mais bem pagos do serviço público, foram criados em profusão. Só entre outubro e dezembro do ano passado foram criados 793 desses cargos, geralmente sob medida para acomodar apadrinhados que perderam as eleições. Se se tratasse apenas de um tipo de cabide de emprego, o "aparelhamento" já seria moralmente condenável. Mas o que o PT busca com isso - além de dar vida boa a seus militantes e aliados - é entranhar na burocracia, que deveria ser técnica, politicamente neutra, um vezo ideológico que contaminará as futuras administrações.

O aumento de gastos com custeio e pessoal não é, ao contrário do que muitos pensam, descontrolado. Ele obedece a uma lógica de perpetuação do PT no poder. O corolário dessa política, contudo, é fiscal e estrutural. Ela virtualmente impede que o ajuste das contas públicas seja feito por intermédio do corte das despesas correntes. Para atender aos gastos crescentes com o custeio da máquina e o aumento da folha de pagamento, o governo eleva a carga tributária, como acaba de fazer com a MP 232. E só lhe resta, para formar superávits primários, cortar investimentos. O contra-senso é evidente: o governo que contrata pessoal e gasta generosamente com o custeio - despesas rigorosamente desnecessárias - é avaro com os gastos que melhorariam a infra-estrutura de produção e gerariam riquezas e empregos no setor privado.