Título: Descontrole na Febem
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Fonte: O Estado de São Paulo, 15/03/2005, Notas e Informações, p. A3

No projeto de reformulação da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem), as autoridades estaduais parecem ter esquecido um item fundamental para o sucesso do processo - a segurança. Agentes que espancavam menores foram substituídos por educadores e por novos seguranças, diretores foram demitidos, representantes de ONGs e mães de internos se integraram à equipe da instituição para garantir transparência e participação da sociedade no novo modelo. Anunciou-se, finalmente, a tão recomendada separação dos internos por idade, compleição física e tipo de crime cometido. Esqueceu-se, porém, que toda mudança feita na Febem sempre criou tensões e pretextos para rebeliões e motins, estimulados por maus funcionários e pela liderança negativa dos menores, que não pretendem abandonar seus privilégios. Pela sua inédita amplitude a mudança atual criava mais que qualquer outra esse tipo de risco. Por negligência ou omissão, o Estado o ignorou. Em 2004, houve 28 rebeliões nos complexos da Febem. Neste ano, pelo menos 17 motins haviam sido registrados até o último fim de semana. Mais de 800 internos fugiram em todo o Estado, desde janeiro. No ano passado todo, 933 menores escaparam. Até a noite do domingo, 381 jovens que cometeram infrações graves e passavam por processo de reeducação na Febem continuavam nas ruas.

A explicação do secretário de Justiça e presidente da Febem, Alexandre de Moraes, para tantas ocorrências é intrigante: "Por que tentam fugir mais agora? Porque antes, se fugissem e voltassem, eram espancados brutalmente. Não atuamos com esse método." O que isto quer dizer? Que estão fugindo mais porque perderam o medo de serem espancados na volta?

Banir o espancamento não significa permitir o descontrole. Segurança rígida não pressupõe violência, mas atuação competente para evitar fugas e garantir a integridade de funcionários e internos. Entre quinta-feira e domingo, por falta de segurança, os Complexos do Tatuapé e de Franco da Rocha registraram a segunda maior fuga da história da Febem e um crime sexual sem precedentes contra educadoras.

As unidades de Franco da Rocha estiveram sob o comando dos internos desde a noite da quinta-feira, quando os menores se rebelaram. Na sexta-feira, parte dos funcionários se recusou a entrar no complexo por falta de segurança. Os garotos circulavam livremente pelas unidades, cheirando cola, tíner e tomando uma mistura de álcool com iogurte. Quem entrou não pôde mais sair.

Às 20 horas, internos estupraram uma funcionária sob ameaça de matarem seu marido, também educador, e molestaram outra. Somente duas horas depois, a Tropa de Choque foi chamada para controlar a situação.

No Tatuapé, também na noite da quinta-feira, pelo menos 307 internos de quatro unidades do chamado circuito grave do complexo - que concentra envolvidos em roubos e homicídios - escaparam na fuga que, em números, só perdeu para a ocorrida em 1999 no extinto Complexo Imigrantes, de onde fugiram 644 internos. As 18 unidades do Tatuapé foram atingidas pela rebelião que se estendeu pela madrugada da sexta-feira.

O presidente da Febem anunciou reforço na segurança e, a partir do sábado, 150 novos agentes começaram a trabalhar. De nada adiantou. Na noite do mesmo dia, outros 31 internos fugiram do Tatuapé; no domingo, 13 escaparam de Franco da Rocha.

O momento requer segurança extrema. Não se admite falar em algumas centenas de agentes quando a instituição abriga 6 mil internos, dos quais 2 mil têm mais de 18 anos e, desses, 300 são maiores de 20 anos. Hoje, são jovens que têm como único objetivo a fuga e, muitos deles, a volta ao crime. É ingênuo pensar que mães ou educadoras vão conseguir imediatamente controlar os ímpetos desses jovens, até hoje tratados com violência, revoltados com qualquer tipo de autoridade e, em grande parte, avessos à reeducação, profissionalização e reintegração.

Até que entendam a necessidade de se reeducarem, até que se sensibilizem e sejam convencidos, será preciso tempo, paciência, insistência e muita rigidez na disciplina e na segurança das instalações.

É urgente a retomada do controle da Febem pelo Estado ou o projeto, planejado desde o governo Mário Covas e há tanto tempo ensaiado, mais uma vez será engavetado. Um retrocesso agora, depois do impacto provocado, no início da implantação, pelas ações corajosas do governo, poderá frustrar todo o processo.