Título: Na guerra entre PT e PSDB, morre uma tradição
Autor: Ana Paula ScinoccaElizabeth Lopes
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/03/2005, Nacional, p. A4

A tradição de os governos elegerem automaticamente os presidentes dos Legislativos desmoronou este ano, dando lugar a um novo modelo, que projeta e elege parlamentares inexpressivos, estreitamente comprometidos com bandeiras difusas de "valorização do Legislativo". A derrota de ontem imobilizou o governador Geraldo Alckmin e repetiu o fenômeno que já tinha derrotado o prefeito José Serra na Câmara de São Paulo, em janeiro, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na Câmara dos Deputados, há um mês. Nos três casos, os vencedores ganharam dizendo que eram aliados dos governos e não queriam transformar suas vitórias em derrotas desses governos. E assim Serra, Lula e Alckmin perderam, ficando com o conforto da promessa de pleno apoio dos vencedores, que tinham bandeiras coincidentes - a defesa de interesses genéricos dos parlamentares, massa informe de propostas com forte tonalidade corporativa e fisiológica.

Nos três casos, também, a articulação dos parlamentares fisiológicos foi alimentada pelo empenho do PT para derrotar o PSDB e vice-versa. Ontem, abalado, Alckmin não quis falar, mas o presidente do PSDB estadual, deputado Antônio Carlos Pannunzio, ainda perplexo, constatou a falência do modelo partidário e pediu a rápida aprovação da reforma política. "O PT perdeu ontem, nós perdemos hoje. Mas a política verdadeira está perdendo todas", queixou-se.

O vereador tucano José Aníbal, preterido em janeiro como candidato à Presidência da Câmara paulistana, o que redundaria na derrota do candidato do PSDB, disse que esses movimentos de pretensa rebeldia desestabilizam as relações entre o Legislativo e o Executivo. "Os Executivos têm de contar, pelo menos, com a possibilidade de formar maiorias", protestou. Ele acha que o movimento tem origem na estratégia do PT de desagregar os outros partidos: "O PT patrocina a infidelidade", disse.

Para Aníbal, a ação do PFL para ganhar a direção da Assembléia afeta a aliança com o PSDB. "No partido há grande insatisfação com o PFL. Eles fizeram isso com dissimulação, de forma surpreendente e deliberadamente hostil", opinou. "Não quero dizer que tenhamos chegado ao fim da linha, mas que este fato arranhou a aliança, arranhou", admitiu Pannunzio.

VANTAGENS

A primeira conseqüência da expansão do "fenômeno Severino" é que os três mandatários derrotados serão obrigados a mediar suas relações com os respectivos Legislativos por valores fundamentados pelo princípio franciscano do "é dando que se recebe". Com o poder que conquistaram, os presidentes desses Legislativos poderão manobrar e conseguir vantagens para seus colegas de plenário, seus eleitores "rebeldes".

Na semana passada, com patrocínio do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), PT e PSDB se juntaram a outros partidos engajados com uma prática política obediente à ética para avançar na reforma política e criar mecanismos que limitem a ação dos políticos fisiológicos. Mas antes que conseguissem dar qualquer passo veio a terceira derrota da velha tradição e também da ética.