Título: País combate a fome sem dados, diz ONU
Autor: Lisandra Paraguassú
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/03/2005, Nacional, p. A9

Segundo estudo, programas oficiais ignoram o quadro real da desnutrição

BRASÍLIA - O governo tenta combater a fome sem saber quem está em situação de insegurança alimentar e qual é o quadro real da desnutrição no Brasil. A acusação é de Roger Shrimpton, secretário-executivo do Comitê Permanente de Nutrição das Nações Unidas (CPN), que está fazendo sua reunião anual esta semana em Brasília. Segundo ele, os indicadores mais recentes de desnutrição de crianças é de 1996. Em adultos, a última pesquisa de saúde foi feita em 1989. Ainda mais do que os dados de peso e altura, o País desconheceria a chamada fome oculta: as deficiências de vitamina A, ácido fólico, iodo e a anemia, muitas vezes escondidas em crianças aparentemente bem alimentadas.

"É um paradoxo. O Brasil tem as melhores condições e um conjunto muito bom de programas, mas o sistema de informações em Moçambique é melhor do que o brasileiro. No Brasil não se tem investido em medir a situação. Os dados que existem são muito atrasados", disse Shrimpton. A falta de informação é o principal problema apontado no estudo sobre os programas do Brasil na área de segurança alimentar, apresentado ontem junto com estudos da Bolívia, de Angola e Moçambique.

Na apresentação dos casos, a representante do Ministério da Saúde brasileiro, Afra Suassuna, foi a única a concentrar praticamente toda sua fala nos programas de combate à fome que o Brasil já criou, mas se absteve de apresentar dados sobre o problema além da linha de pobreza. "Realmente os dados que possuímos estão defasados, mas estamos preparando uma nova pesquisa este ano."

"Não é ter informação agora e depois daqui a 10, 15 anos. Precisamos de informações regulares para saber do que estamos tratando. Os estudos pontuais que temos apontam para problemas seriíssimos de fome oculta", disse o médico Flávio Valente, membro do CPN e também do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea). Existe uma estimativa no País de que metade das crianças brasileiras tenham algum grau de anemia. Mas, segundo Valente, em alguns pontos do País, especialmente no Nordeste, a anemia chega a 80% das crianças.