Título: Democracia uniu o que a ditadura separava
Autor: Carlos Marchi
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/03/2005, Nacional, p. A11

Eduardo Jorge discordava politicamente do pai, mas é afinado com o filho, nascido em 86 O golpe de 1964 criou uma série de abismos políticos, culturais e comportamentais entre pais e filhos e a redemocratização do País, em 1985, teve o dom de aproximar as visões e criar uma convivência bem mais pacífica entre eles. Isso aconteceu de maneira notória na família Alves. Depois de 1964, o médico Eduardo Jorge Martins Alves Sobrinho, hoje secretário de Meio Ambiente da Prefeitura de São Paulo, nunca se afinou politicamente com o pai, oficial-médico do Exército; mas ele e seu filho Alexandre, nascido logo após a redemocratização, concordam em quase tudo. Alexandre nunca viveu um dia sob ditadura: nasceu no dia 1.º de janeiro de 1986, quando o pai já era um dos mais radicais deputados estaduais do PT paulista. Cresceu vendo o pai - que amargou duas prisões políticas e intermináveis sessões de tortura na Oban - aparar as arestas e buscar novos fundamentos ideológicos. Hoje eles não disputam radicalismos: são amigos, têm idéias afinadas e concordam no essencial. Alexandre rejeita apenas os fados que o pai escuta nos fins de semana; o pai condena um piercing na orelha.

Eduardo Jorge foi criado num clima conservador e só foi conhecer gente de esquerda no curso secundário, em João Pessoa; Alexandre, criado com toda liberdade por dois pais engajados na esquerda, diz hoje que não abre mão da liberdade, em primeiro lugar. Opinião muito semelhante à do pai, que se diz um antigo "socialista autoritário", mas que hoje tem opções claras, muito próximas às do filho: "Em primeiro lugar, eu sou um democrata; em segundo, um socialista."

A violência que o pai, militante do ex-Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), defendeu historicamente como arma natural permitida ao socialismo hoje é repudiada pelos dois. Alexandre conta que aprendeu a cultuar a liberdade com as lições na escola que relatavam fatos da ditadura militar. Mas não aceitou apenas o que lhe contaram: pediu ao pai que lhe indicasse literatura marxista e devorou Marx e Engels. A leitura consolidou sua preocupação com questões sociais e uma aversão à falta de liberdade.

CAMINHOS CRUZADOS

Eduardo Jorge conta que seu caminho divergiu do pai logo após o golpe de 1964. Enquanto o pai se tornava interventor na Universidade Federal da Paraíba, ele veio interno para o Colégio Marista, em São Paulo, onde formou a zaga da equipe de futebol da escola com o aluno Fernando Collor. Voltou à Paraíba para estudar Medicina e foi logo recrutado para o PCBR, enquanto o pai assumia o Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB).

O PCBR logo organizou a primeira ação armada (ou "expropriação do povo") no Nordeste, contando com o apoio logístico de Eduardo Jorge, que usava o carro da mãe para ajudar o partido. Alexandre tem apenas uma longínqua idéia das razões que levaram à luta armada contra a ditadura, mas afirma, sem pestanejar, que se orgulha das ações do pai. Apesar das divergências, o pai-reitor ajudou como pôde e Eduardo Jorge foi absolvido em João Pessoa.

Veio para São Paulo prosseguir nos estudos em início de 1973 e recebeu a tarefa de ir ao Chile ajudar no retorno de exilados do MR-8. Nesta época começava a fazer uma profunda revisão ideológica: voltou do Chile contestando o distanciamento que os grupos de luta armada mantinham do povo que diziam defender. Uma nova onda de prisões levou Eduardo Jorge e a mulher para a Oban. O pai, que era representante do Ministério da Educação na OEA, voltou a colocar seu prestígio para defender o filho. Hoje Alexandre não regateia apoio: confessa que se orgulha de contar esses episódios para a namorada.