Título: Soberania, justiça e dignidade
Autor: Expedito Filho
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/03/2005, Nacional, p. A12

Democracia não é uma palavra solitária. Ela se fortaleceu na vida dos povos e na história das nações na companhia virtuosa dos direitos civis e de avanços sociais arduamente conquistados através das lutas por soberania, justiça e dignidade. No Brasil e em toda a América Latina a história ensinou que o verdadeiro desenvolvimento é incompatível com o regime da opressão. Desenvolvimento é transformação e pressupõe, portanto, o livre debate e o confronto de alternativas que só se equilibram na permanente negociação de um projeto social que o conduza.

O Brasil e a maioria dos países da América Latina passaram por essa trágica experiência no século 20. O sacrifício da liberdade deixou cicatrizes e distorções que ainda hoje cobram seu preço na forma de enormes contingentes excluídos da cidadania e de gargalos que dificultam o caminho do progresso. Tão equivocada quanto a visão estatista, porém, é o seu oposto, ou seja, uma visão de "Estado-mínimo" que encara o desenvolvimento como uma força da natureza e tenta blindar a economia de qualquer interferência humana que altere sua lógica e destinação. Os anos 90 assistiram à adoção desse modelo neoliberal que arrastou povos e países a uma espiral descendente de resultados tão dramáticos, do ponto de vista financeiro e social, que levaram o PNUD, órgão oficial da ONU, a classificar o ciclo da "auto-regulação" como "a década do desespero". Estou convencido de que o grande desafio da democracia no século 21 é dar suporte à mudança negociada e justa que pavimente os trilhos de uma verdadeira composição feita de crescimento duradouro e equilibrado. É mais trabalhoso do que alguns imaginavam. Com certeza, menos linear do que muitos gostariam. Mas é mais consistente e, indiscutivelmente, mais democrático. A opção à autarquia estatal, portanto, não é a naturalização da economia, nem o endeusamento do mercado. É, sim, a construção de uma sociedade de compromisso e projetos compartilhados. Nela, a liberdade é o requisito da eficiência; e a eficiência é medida pelo avanço da justiça e da multiplicação das oportunidades. Esse é o caminho que estamos trilhando no Brasil.

*Luiz Inácio Lula da Silva é o presidente da República