Título: Democracia tem remédio?
Autor: Expedito Filho
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/03/2005, Nacional, p. A12

Comemoram-se supostos 20 anos da redemocratização, como se ela tivesse acontecido com a "eleição" realizada pelo Colégio Eleitoral, ainda sob a égide da Constituição autoritária. Está errado! Como se falar em redemocratização sem a população fazer a sua escolha? É falsa tal comemoração, ao mesmo tempo em que é tentativa - espúria em si - de fraudar a história, visando confundir os leitores que são levados a associar o início da redemocratização com a utilização de um expediente que a própria democracia expurga, porque é a sua negação. A verdadeira redemocratização foi iniciada com as eleições realizadas em 1989, dela participando o povo e nela concorrendo 15 candidatos. Esse momento, sim, marca o retorno do Brasil ao estado democrático de direito e não a empulhação de se considerar iniciada a redemocratização com uma votação de colégio eleitoral, método utilizado pela república dos generais.

Além do mais, que democracia é esta que permite a prevalência da mentira e do engodo? Será lícito, será justo, será moral e ético, conquistar-se o poder com um discurso e governar com outro? Será correto alguém se eleger com propostas específicas e depois fazer exatamente o contrário da sua pregação eleitoreira? Claro que não! Agir assim implica no cometimento de crime de lesa-cidadania. E a democracia, pergunto, onde fica? Fernando Henrique fundiu alguns de seus neurônios para tentar explicar o fastidioso discurso que fez no Senado logo depois da edição do meu programa de governo, quando tentou desmontá-lo.

Eleito presidente, teve que engolir o que havia dito e seguiu, em seu governo, a agenda lançada por mim em 1989, exatamente aquela que tão acidamente criticara.Quantos não votaram nele pelo que disse na campanha e pelo que escreveu ao longo da vida acadêmica? Não terá ele feito o contrário do que pregou?

E o atual presidente? Durante 22 anos Lula disse ser o sistema financeiro internacional o grande culpado pela pobreza do País, empenhado em sugar nossas riquezas.

Assume a presidência e convoca para dirigir o Banco Central um lídimo e cristalino representante do "capitalismo selvagem internacional", a bem da verdade fluente em português. Durante 22 anos ele e o PT afirmaram que o Brasil não poderia se dar ao luxo de exportar um quilo de alimento enquanto houvesse um brasileiro passando fome. Torna-se presidente e logo convida para o Desenvolvimento Econômico o maior exportador de alimentos do Brasil. Durante 22 anos defendeu a tal da agricultura familiar, esculachou com os produtores, no entanto nomeia ministro da Agricultura um dos maiores produtores e proprietários de glebas.

E a democracia, tão complacente, aceita tudo isto! Disse Ibsen Pinheiro que as causas da minha deposição pela Câmara, em 1992, "estavam na incapacidade do governo em relacionar-se adequadamente com os demais poderes e com a sociedade" e que "o impeachment foi um ato político do Congresso".

Esta arbitragem do Congresso, pelo molde adotado (sem me ter sido garantido o direito de defesa) e nas circunstâncias em que foi feita (às vésperas das eleições municipais) pode ser admitida pela tão propalada democracia? O que viceja entre nós será a verdadeira democracia, aquela definida como sendo o "governo do povo, pelo povo e para o povo"? Se for, pergunto: democracia, que remédio poderemos ter para esses males que te acometem?

* Fernando Collor foi presidente da República de 1990 a 1992