Título: Longo caminho a percorrer
Autor: Expedito Filho
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/03/2005, Nacional, p. A12

Os 20 anos de redemocratização do Brasil trazem a minha lembrança dois episódios que, embora pouco conhecidos, ilustram à perfeição, a meu ver, a natureza dos processos históricos e a importância de ações e de gestos discretos sem os quais os chamados grandes momentos não se produziriam. Não sei, aliás, se a redemocratização é o maior acontecimento político de nossa história recente (creio que o movimento popular que a tornou possível nas ruas é certamente mais significativo); sei, no entanto, que ela não seria possível sem tantas pequenas contribuições hoje esquecidas. Gostaria de mencionar primeiramente o fato, pouco conhecido, de que, às vésperas da decisão do Congresso que levaria à formação da chapa com os nomes de Tancredo Neves e José Sarney, fora constituída uma lista, integrada por vários deputados federais e senadores - entre os quais eu me incluía -, que rejeitava a votação por via indireta. A marcha dos acontecimentos, no entanto, assim como a perspectiva concreta, que se revelaria correta, de se dar um passo importante com vistas à futura instalação de um regime plenamente democrático no País, levou-nos a reconsiderar a decisão anterior. Essa lista, pelo que sei, desapareceu.

Em segundo lugar, recordo que a questão fundamental que precedeu a formação da chapa com os nomes de Tancredo e Sarney foi a questão da quebra da fidelidade partidária. Dois nomes, entre tantos outros, foram fundamentais nesse episódio. Refiro-me ao então vice-presidente da República, o mineiro Aureliano Chaves, e a Moacyr Dalla, presidente do Senado Federal. Sem o apoio de Aureliano Chaves, que participou ativamente das reuniões com as lideranças parlamentares nas quais eram articuladas as candidaturas de Tancredo Neves e José Sarney, creio que a causa da redemocratização dificilmente teria êxito. Da mesma forma, a honrada decisão do senador Moacyr Dalla, de que sou testemunha, em ir de encontro às pressões no interior de seu partido, concedendo aquele que seria praticamente o voto de minerva na votação que permitiria, em última análise, o registro no Senado - condição sine qua non para que tivesse início o processo eleitoral - da chapa que reunia os nomes dos então candidatos. O presidente Sarney sabe deste episódio.

Esses dois episódios, hoje pouco lembrados, ilustram aquela que é, a meu ver, a verdadeira dinâmica dos acontecimentos da vida política, feita não apenas de grandes momentos. Com eles, foi possível ao País retomar, ainda que indiretamente, a jornada na busca da democracia.

Em sucessivos mandatos eletivos, o povo brasileiro conferiu-me o privilégio de contribuir para o retorno da democracia e para o progresso alcançado na conquista das liberdades democráticas.

O processo instaurado há 20 anos não está concluído. Temos um longo caminho a percorrer; a liberdade política só será verdadeira quando todos os brasileiros puderem exercer plenamente a cidadania, cumprir seu deveres e gozar dos seus direitos, sobretudo na defesa dos interesses da Nação. O ideal republicano é uma luta constante.

*Itamar Franco foi presidente da República entre 1992 e 1994