Título: Múltis pressionam Brasil a abrir mercado industrial
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/03/2005, Economia, p. B9

Na retomada das negociações na OMC, o mesmo impasse:País só discute questão se os EstadosUnidos aceitarem a liberalização do setor agrícola agricultura

GENEBRA - As maiores empresas americanas criticam as tarifas de importação no Brasil, pressionam por cortes de pelos menos 75% nas taxas adotadas pelo País e estão elaborando uma lista de produtos industriais que, esperam, tenham melhor acesso ao mercado brasileiro como resultado das negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC). Um grupo formado por General Electric, Boeing, Ford, Pfizer e outras gigantes aponta que o sucesso das negociações da OMC dependerá não só da agricultura, mas da vontade de economias emergentes de abrirem seus mercados para produtos manufaturados. Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a pressão é sinal do interesse americano por negociações que levem à eliminação de tarifas em alguns segmentos, proposta que o setor privado do País não aceita. As grandes multinacionais americanas formam o Conselho Nacional de Comércio Exterior, que faz lobby por uma liberalização maior entre os países até o fim da rodada da OMC, programado para 2006. Em recente levantamento, foram identificados mais de 50 produtos que a indústria americana gostaria que tivessem outro tratamento no sistema de importação do Brasil. O estudo aponta que mais de US$ 650 milhões em produtos americanos que hoje entram no País encontram tarifas altas ou incertezas.

Os especialistas americanos ainda identificaram que os cortes de barreiras negociados na OMC só terão efeito para incrementar o acesso ao mercado brasileiro e de outros emergentes se a redução das tarifas chegar a pelos menos 75%. Isso porque há uma diferença entre as tarifas que o País de fato aplica e o nível das taxas que o governo consolidou nos compromissos na OMC.

Na média, as tarifas aplicadas do País estão na faixa de 12,5%, ante a tarifa consolidada de 35%. Washington reclama que essa diferença é um fator de "incerteza" para as indústrias exportadoras, pois 38% de seus produtos enfrentam risco de ter tarifas aumentadas. Diante da diferença entre as duas tarifas, a análise conclui que 70% das exportações das maiores companhias americanas estão arriscadas a ter as tarifas elevadas em 20% de uma hora para outra em países como Brasil, Egito, África do Sul, Índia e Malásia.

Para a vice-presidente do Conselho, Mary Irace, o Brasil tem razão em pedir a reforma dos mercados agrícolas na OMC. "Mas isso só ocorrerá se o País também abrir seu mercado. Será difícil convencer o Congresso americano a liberalizar a agricultura se não houver ganhos no setor industrial", afirmou. "Está nas mãos do Brasil e de países emergentes o sucesso da negociação da OMC." O Brasil já deixou claro que está disposto a fazer uma "importante contribuição" na liberalização industrial. Mas quer primeiro ver os ganhos que terá na agricultura.

PROPOSTAS

Na retomada das negociações da OMC, ontem, foram apresentadas várias propostas sobre como realizar a liberalização no setor industrial. Para os EUA, alguns produtos devem ser escolhidos para terem tarifas zeradas ao fim das negociações, como automotivos, têxteis, eletroeletrônicos e químicos. Para os demais setores, haveria cortes ambiciosos.

Para responder às idéias americanas, o Brasil e outros emergentes apresentam até amanhã rascunhos de nova proposta sobre a liberalização no setor industrial. Para Sandra Rios, analista da CNI, a proposta deve dar maior flexibilidade aos países em desenvolvimento e permitir cortes menores em produtos considerados sensíveis - no Brasil, estaria o setor automotivo.

A indústria americana insiste que, se os emergentes não cortarem as tarifas, não conseguirão exportar nem entre eles mesmos. Os americanos apontam que, enquanto o Brasil tem vendas acima de US$ 750 milhões de certo tipo de veículos aos EUA e Argentina, as exportações para Egito, Índia e África do Sul não passam de US$ 1 milhão. A diferença estaria nos níveis das tarifas.