Título: Atendimento pós-aborto vai mudar
Autor: Simone Iwasso
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/03/2005, Vida &, p. A16

O Ministério da Saúde vai finalizar nos próximos dias uma norma técnica para modificar o tratamento dado às mulheres que chegam aos hospitais públicos após provocarem aborto. O objetivo é humanizar o atendimento, oferecendo atenção clínica, acompanhamento psicológico, orientação sobre planejamento familiar e, principalmente, garantia do sigilo médico - o que dá à mulher a certeza de que não será julgada nem denunciada à polícia. A medida foi elaborada tendo como base dados do próprio ministério, que mostram que o aborto feito em condições inseguras é a quarta causa de morte materna no País. E a curetagem por causa de abortos aparece como o segundo atendimento obstétrico mais praticado, superado somente pelos partos normais. Apenas em 2004, foram 244 mil internações no Sistema Único de Saúde (SUS), a um custo de cerca de R$ 35 milhões. Como comparação, os abortos permitidos por lei - resultados de estupro ou gestação que põe em risco a vida da mulher - somaram 1.600 internações.

Mesmo assim, estima-se que apenas 1 em cada 3 casos de aborto provocado cheguem aos hospitais, o que pode tornar os números oficiais menores do que a realidade, e que muitas mulheres morram sem terem tido acesso a atendimento médico. "Essa norma visa a atender a mulher que chega ao hospital já abortando, o que é um grave problema de saúde pública. Temos de garantir a vida dessa mulher, dar atendimento médico e orientá-la", afirma a diretora de ações estratégicas do ministério, Teresa Campos.

Segundo ela, ao introduzir essa nova abordagem para a mulher que provoca o aborto, o ministério pretende reduzir os índices de mortalidade materna. "Queremos que a mulher tenha segurança de que será atendida corretamente, não será negligenciada e nada do que ela disser sairá dali."

No atendimento deverá ser feita uma aspiração manual intra-uterina, procedimento mais seguro do que a curetagem usada hoje, segundo o médico Jorge Andalaft Neto, presidente da comissão de violência sexual e aborto legal da Febrasgo (federação que reúne as sociedades de ginecologia e obstetrícia do País) e coordenador da área do Hospital do Jabaquara. Além disso, deverá ser marcado um retorno para a paciente, o que também não existe hoje. Métodos contraceptivos e de planejamento familiar deverão ser fornecidos.

"Essas mulheres precisam de atendimento diferenciado para se recuperarem e retomarem uma vida sexual saudável. Precisam de um diálogo com o médico, para saber qual o melhor método contraceptivo para o caso dela. Assim estaremos evitando que ela faça outros abortos no futuro", completa. Segundo ele, 15 dias após o procedimento a mulher está fértil e pode engravidar contra sua vontade. "Ela precisa de informação e acompanhamento para quebrar essa cadeia de abortos. São procedimentos fáceis de serem implantados, não têm um custo alto e precisam de treinamento da equipe."

A Norma Técnica de Atendimento Humanizado ao Abortamento será apresentada oficialmente com outros dois documentos: a revisão da Norma Técnica de Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres, que inclui a retirada da obrigatoriedade do boletim de ocorrência (BO) para o aborto resultado de estupro; e o texto Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, que prevê a ampliação da política de planejamento familiar e distribuição da pílula do dia seguinte na rede pública. O pacote faz parte da Política Nacional de Saúde da Mulher e estava previsto para ser lançado no dia 22.