Título: Briga do bicombustível chega aos 1.0
Autor: Cleide Silva
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/03/2005, Economia, p. B14

A Volkswagen iniciou ontem as vendas do Gol 1.0 bicombustível, mesmo dia em que a Fiat apresentou os modelos Mille, Palio e Siena com a tecnologia que permite abastecer o carro com álcool, gasolina ou a mistura de ambos. Com essa estratégia, mantida em sigilo nas últimas semanas, a montadora alemã tirou da concorrente o título de pioneira no lançamento de modelos populares flexíveis. A ação da Volkswagen, que publicou anúncios em 22 jornais de vários Estados, mostra que a guerra das montadoras não está restrita à liderança do mercado, mas também à tecnologia, mesmo que a diferença seja de dias ou horas. A Fiat contra-atacou e disse que terá o bicombustível mais barato do mercado. O Mille apresentado ontem à imprensa especializada vai custar R$ 19.350, e o Palio, R$ 22.210. Os dois modelos, assim como o Siena, custarão R$ 360 a mais que as versões tradicionais. Já o Gol 1.0 será vendido a R$ 22.742, uma diferença de R$ 427 para a versão anterior.

A Volks distribuiu mil unidades do Gol City 1.0 TotalFlex em lojas de São Paulo e Rio de Janeiro, quantidade pequena para um lançamento. As outras regiões devem ser abastecidas até meados da próxima semana. Em anúncio publicado nos jornais, a Volks ressalta que o produto é acessível e cutuca as demais montadoras, especialmente a Fiat: "O Gol City 1.0 TotalFlex é tecnologia ao alcance de todos. Até da concorrência, que vai copiar rapidinho".

Na semana passada, a Volks informou que preparava a chegada do Gol 1.0 bicombustível para o primeiro semestre, sem dar pistas de que isso ocorreria antes da concorrência. A Fiat havia anunciado o lançamento dos modelos da marca há duas semanas. O lançamento foi em Ribeirão Preto (SP). A chegada dos veículos às lojas deve ocorrer no próximo dia 26. A marca já tem a tecnologia nos modelos Palio e Siena 1.3 e 1.8 e na picape Strada.

O diretor de Comunicação da Fiat, Marco Antonio Lage, disse que a montadora prefere manter a estratégia de apresentar seus produtos primeiro à crítica (imprensa especializada), para depois lançar a campanha publicitária. "Não vamos fazer lançamentos por meio de anúncio de jornal", disse.

"Nós vínhamos desenvolvendo o produto há um ano, e esse lançamento não tem nada a ver com a Fiat", desconversa o diretor de Vendas e Marketing da Volks, Paulo Kakinoff. Mas, na própria peça da campanha publicitária, a montadora afirma que "se antecipa à concorrência".

Resta agora esperar para ver se outras empresas anteciparão projetos. A General Motors dá como prazo o fim do ano para adotar a tecnologia no Celta e ontem informou que não alterou esse plano. A Renault também espera adotar o sistema no Clio 1.0 ainda este ano, mas não revelou prazos.

No ano passado, os modelos flexíveis responderam por 22% das vendas de automóveis, com 328.378 unidades. No primeiro bimestre deste ano, a participação está em 27%, com 57.654 unidades vendidas. Somando as versões movidas só a álcool, sobe para 32%, num total de 64,7 mil veículos.

A Volks foi a primeira a lançar um carro bicombustível, em março de 2003, com o Gol 1.6. Com o lançamento de ontem, mais de 90% da linha Gol passa a ser bicombustível. Só a versão Special, da geração anterior do modelo, não terá esse motor. No total, a Volks passa a ter 70% da sua produção de carros flexíveis. "Em dois anos, será 100%", diz Kakinoff. A marca oferece seis modelos flexíveis (Gol, Parati, Saveiro, Fox, Polo e Polo Sedan), com motores1.0, 1.6 e 1.8. O Fox já tinha versão 1.0 bicombustível, mas o modelo não está na faixa dos carros populares.

O presidente da GM, Ray Young, também aposta que, em 2007, todos os automóveis destinados ao mercado brasileiro serão flexíveis. Para veículos de exportação serão mantidos motores a gasolina. Atualmente, as versões batizadas de FlexPower (Astra, Corsa 1.8, Meriva, Montana e Zafira) representam 45% das vendas.

As montadoras preferiram adotar a tecnologia inicialmente nos carros mais potentes por causa da diferença tributária. Modelos com motor acima de 1.0 a até 2.0 recolhem 15% de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), mas na versão bicombustível a alíquota cai para 13%, a mesma cobrada dos automóveis a álcool. Por conta dessa vantagem, eles chegaram ao mercado a preços muito próximos das versões anteriores.

Já os carros populares recolhem 9% de IPI, independentemente do tipo de combustível. As empresas devem repassar ao consumidor parte dos custos com o desenvolvimento da tecnologia. "Mas, como a tecnologia já está sedimentada, o consumidor agora está disposto a pagar um pouco mais por ela", avalia Kakinoff.

A Renault lançou a linha Scènic Hiflex na semana passada, cinco meses depois de introduzir a tecnologia no Clio 1.6. "Temos esperança de estendê-la para o Clio 1.0 antes do fim do ano", diz Antonio Megale, diretor de Marketing. "Não podemos ficar de fora desse mercado." A Ford tem apenas o Fiesta sedã flexível. Peugeot, Citroen e Honda ainda preparam seus lançamentos nas versões de maior potência.