Título: No mangue, falta dinheiro e sobram sacrifícios
Autor: Eduardo Nunomura
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/02/2005, Nacional, p. A12

ARAIOSES - A rotina começa cedo em Carnaubeiras, povoado de Araioses: por volta das 6 horas, quando diariamente os primeiros catadores de caranguejo começam a chegar ao porto de embarque. Enquanto esperam a vinda dos barcos que vão levá-los ao mangue, confeccionam cordas de palha de carnaúba. Fazem 50, 60 delas, esperando um dia bom. Retornam com 20, 30 cordas cheias no início da tarde. Para cada uma, recebem R$ 1. Ou R$ 0,25 por caranguejo. Os catadores ganham pouco para trabalhar muito.

No mangue é que se tem a dimensão dos sacrifícios que enfrentam. São atacados por insetos, têm de se equilibrar pelos galhos retorcidos e se proteger dos pontiagudos que não raro deixam um homem meses sem poder trabalhar.

Para apanhar o animal mergulham os braços, as mãos e as pernas na lama. Centenas de vezes. Ao fim da jornada, carregam muito peso nas costas. Tudo para montar cordas com quatro caranguejos cada.

A maior parte do lucro fica com os comerciantes que compram o produto e levam para Ceará, Piauí, Bahia e Alagoas. São eles que negociam com os atravessadores, os que pagam R$ 1 por corda. Há em Araioses 12 atravessadores, que revendem o produto por R$ 1,20 ou R$ 1,80 se o caranguejo for graúdo. Cada um deles possui uma rede de 20 a 80 catadores. Oferecem barco com combustível para levá-los ao mangue.

"A vida é muito dura", resume José Ferreira da Silva, de 50 anos e há 20 catando caranguejos. "Trabalhamos no mangue porque aqui não há outra coisa para fazer." Em Araioses, a atividade vem passando de geração em geração, multiplicando o número de trabalhadores. Há poucos anos, eram algumas dezenas de catadores. Hoje, estima-se que há quase 500 deles no Delta do Parnaíba.

A família de Fabio Alves Cerejo, dona de um terreno próprio, está erguendo a casa de dois quartos há quatro anos porque falta dinheiro para o material de construção. Cerejo ganha cerca de R$ 150 com os caranguejos. A mulher recebe um salário mínimo, como zeladora da escola. Do Bolsa-Família, vêm outros R$ 45. "Trabalho cinco horas para ganhar R$ 10. Ser catador não tem futuro."

CONTROLE

O órgão de fiscalização ambiental, Ibama, passou a controlar o comércio desenfreado do produto no Delta do Parnaíba.

Antes, os catadores pegavam o caranguejo na mão. Agora têm de usar o cambito, um gancho de ferro para chegar mais fundo no mangue. Sinal da mercadoria que escasseia.

O Sebrae já promoveu cursos para melhorar a exploração em Carnaubeiras. Ensinou, por exemplo, que o produto acondicionado em embalagens adequadas trazem mais retorno. Mas nenhum morador tem R$ 100 mil para montar um negócio desse porte. O máximo que se consegue é chegar no padrão do comerciante Francisco Leão Santos, de 69 anos. Ele compra os caranguejos não vendidos pelos catadores aos atravessadores, cozinha, separa as patinhas (vendidas à parte), retira a carne e confecciona sacos de um quilo do produto (que sai por R$ 8).