Título: Frente contra mais gastos públicos e impostos
Autor: Roberto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/03/2005, Espaço Aberto, p. A2

A Frente Brasileira contra a Medida Provisória (MP) 232 realizou na segunda-feira mais uma de suas elogiáveis mobilizações. Desta vez levou suas preocupações ao presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, esse líder do baixo clero que não chegou ao papado, mas mesmo sem ser o sumo é um pontífice entre os paparicados. Entre outros aspectos, essa MP ampliará a carga tributária do setor agrícola e a tributação das empresas prestadoras de serviços que declaram o Imposto de Renda pelo regime de lucro presumido. A MP segue a arraigada e perniciosa tradição governamental de persistentemente aumentar impostos para sustentar sua insaciável sede de gastar mais e mal.

Editada em 30/12/2004, a MP 232 provocou justificável reação, pois veio num momento em que a sociedade demonstra clara insatisfação com a carga tributária crescente, que asfixia a economia e também limita seriamente o desenvolvimento social do País. Entre outras razões, porque o governo retira recursos de pessoas e empresas que proporcionalmente investem muitíssimo mais do que ele em atividades que expandem a capacidade produtiva e o emprego (como novas fábricas, fazendas, estabelecimentos comerciais e de serviços). Com isso, essa transferência de recursos diminui a taxa média de investimento da economia - o volume de seus investimentos relativamente ao produto interno bruto (PIB) -, fazendo cair seu ritmo de crescimento.

Nesse quadro, a Frente Brasileira contra a MP 232 não se pode cingir ao seu objetivo atual. Essa MP será rejeitada ou aprovada, mas o problema maior, o do contínuo aumento de gastos e de carga, não estará resolvido. Assim, para ampliar sua abrangência e eficácia, esse saudável movimento de reação da cidadania precisa tornar-se uma Frente Permanente contra a Expansão dos Gastos Públicos e da Carga Tributária.

Não é preciso ir longe para justificar isso. Os efeitos danosos dessa expansão já se manifestam na baixa taxa de crescimento da economia e suas seqüelas, mas a falta de percepção desses efeitos e/ou o desprezo por eles continua a ensejar novas iniciativas que irão agravá-los. Para perceber isso basta abrir os jornais.

No caso dos gastos, ainda ontem este jornal noticiou que mais uma bomba foi armada para ampliá-los, com graves repercussões. Numa primeira votação, na qual o próprio PT liberou seus deputados para votar contra a orientação do líder do governo (Professor Luizinho, do PT-SP), no dia anterior a Câmara aprovou por 399(!) votos a favor, apenas 13 contra e 11 abstenções, "um salário para delegados de polícia, agentes fiscais tributários e advogados dos Estados de até 90,25% do vencimento do ministro do Supremo Tribunal Federal". O teto atual dessas categorias é dado pela remuneração dos governadores dos Estados, menor que esse teto. A aprovação foi feita sem nenhuma informação quanto ao custo da iniciativa, que, além disso, quebraria a hierarquia salarial dos Executivos estaduais.

Na seqüência, o referido líder, claramente escasso de liderados, disse esperar "... que os governadores venham para cá, pois essa questão atinge os Estados". E atingirá o nosso bolso, se não for revertida, tal como outra medida votada na mesma ocasião, desta vez com a concordância do Professor Luizinho, e que expandirá gastos da Previdência. Conforme aprovado, será permitido que o trabalhador de baixa renda e donas de casa se aposentem só por tempo de contribuição, sem limite de idade. É mais uma benesse sem avaliação de custos e que provocará aumento de gastos e mais carga tributária, seja para custeá-los ou, mais à frente, a dívida adicional que virá com eles. Como nesse caso não se espera que os governadores cheguem até lá, pois aparentemente o impacto será concentrado no INSS, tudo indica que sem uma frente como a sugerida a sociedade permanecerá indefesa diante do novo gasto votado. E mesmo os governadores precisarão de apoio para reverter a outra medida aprovada em primeira votação.

Quanto a novos impostos, nos últimos dias os jornais passaram a dar espaço, infelizmente bem menor que o justificável, a notícias da reforma tributária prevista pela Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 285, de 2004, pois há a perspectiva de que começará a ser votada até o fim do mês. Entre outras questões, ela trata da reforma do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que no Brasil é o tributo mais importante em termos de arrecadação.

Conversando com o economista e consultor Clóvis Panzarini, ex-coordenador da Administração Tributária do Estado de São Paulo (um posto equivalente, no Estado, ao de secretário da Receita Federal), soube de um item que consta da referida PEC, redigido de forma aparentemente inofensiva, determinando que o ICMS "... terá alíquotas uniformes em todo o território nacional, por mercadoria, bem ou serviço..."

Ora, é sabido que os vários níveis de governo, além de usualmente expandirem a carga tributária, quase nunca se revelam dispostos a reduzi-la. Assim, por exemplo, um produto que num Estado tenha a alíquota de 12% e noutro a de 18%, na uniformização de alíquotas muito provavelmente virá uma de 18%. Ou seja, mais carga tributária, que corre o risco de passar com a aprovação dessa PEC. Esta, entretanto, não está na da pauta da frente inicialmente citada, embora o potencial de aumento de carga dessa emenda seja muito maior que o da MP 232.

Portanto, ou se faz uma mobilização ampla e permanente contra o aumento de gastos e impostos, ou a economia brasileira e seu enganado povo continuarão num desvio da rota que levaria ao maior desenvolvimento econômico e social do País. Não é que a vaca irá para o brejo, pois já se encontra atolada nele.

Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela

Universidade Harvard (EUA), é pesquisador da Fipe-USP

e professor da Universidade

Presbiteriana Mackenzie.