Título: O custo dos deputados
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/03/2005, Editoriais, p. A3

Duas notícias na primeira página do Estado dessa quinta-feira aparentemente nada têm em comum. Mas, no fundo, resultam de idênticas práticas malsãs de nossos políticos: a "inclinação" para aumentar gastos públicos e a propensão a decidir em proveito próprio sem levar em conta o ônus para quem lhe banca o custo. A Mesa da Câmara reajustou a verba de gabinete de cada deputado federal em R$ 8,8 mil, passando dos atuais R$ 35,3 mil para R$ 44,1 mil. E esse aumento do custeio da máquina pública ocorreu no mesmo dia em que o Conselho de Política Monetária (Copom) do Banco Central ampliou a taxa de juro básica da economia em meio ponto porcentual, atingindo elevadíssimos 19,25%. Assim, ficamos devidamente informados de que somos recordistas universais de desfaçatez parlamentar e também campeões mundiais de custo do dinheiro: o melhor dos mundos para os "representantes" e o pior para os "representados". O avanço do meio pontinho regulamentar a pingar em cada reunião mensal dos condutores da política monetária já não surpreende ninguém. Bem fez o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, que se negou a sequer produzir um repetitivo e óbvio protesto contra ele. Já a nova prova cabal de insensibilidade cívica dos dirigentes do Poder Legislativo merece, no mínimo, repúdio até pelas circunstâncias que a antecederam.

Sabe-se que o deputado Severino Cavalcanti (PP-PE), papa do baixo clero e cultor do baixo nível retórico, chegou ao segundo turno da disputa pela presidência da Câmara prometendo a seus nobres pares um polpudo aumento de vencimentos. Da mesma forma como não ligou para o constrangimento causado pela proximidade de mais uma longa e estéril discussão para dar ao salário mínimo um ínfimo reajuste além dos atuais R$ 260 - 81 vezes menos que o salário por ele defendido para a corporação -, o novo presidente fez pouco-caso da onda de indignação nacional contra essa pretensão despropositada. Ele não obteve o número regimental de assinaturas para votar o aumento com urgência. Nem conseguiu a cumplicidade do colega do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), para pôr em prática a gambiarra de dar o aumento por ato da Mesa, tal como propunha o presidente do STF, Nelson Jobim.

Desta vez, contudo, Severino contou com a cumplicidade tácita dos mesmos colegas que se fingiram de beneméritos respeitadores da indignação popular contra a engorda injustificada dos próprios saldos bancários. "O aumento é para os funcionários dos gabinetes não para os deputados", justificou o deputado Ciro Nogueira (PP-PI), escudeiro de Severino e tido como premiado certo na reforma ministerial. Não lhe faltou ainda o aval dos petistas, aliás autores originais da proposta apresentada e engavetada por João Paulo Cunha (PT-SP), que deixou o abacaxi para o sucessor descascar. E agora seu líder, Paulo Rocha (PA), a apoiou: "A posição do PT sempre foi favorável a medidas que melhorem as condições do exercício parlamentar. Como não é aumento de subsídio do deputado, fica mais fácil e menos problemático explicar para a sociedade." Com esse apoio todo, o presidente levou os 11 integrantes da Mesa (7 titulares e 4 suplentes) a, unanimemente, reajustarem a verba de gabinete de cada deputado em 25%, sem levar em conta que os servidores públicos sem mandato estão para receber um reajuste salarial de... 0,1%.

Com a publicação dessa decisão de reajustar a verba de gabinete no Diário Oficial se acrescerão 34 salários mínimos ao custo de cada deputado. Este atualmente inclui também subsídios de R$ 12.847,20 (15 salários por ano), verba indenizatória de R$ 15 mil (combustível, aluguel de escritório e hospedagem), R$ 3 mil de auxílio-moradia, R$ 4.278,55 de correios e R$ 9.000,00 em passagens aéreas. Após este reajuste, cada deputado passará a custar ao contribuinte R$ 88.312,75 (340 salários mínimos) mensais. Isso onera os cofres da Câmara em R$ 7,9 milhões todo mês - R$ 95,2 milhões por ano. Mas esse custo será ainda maior quando for aprovado o reajuste de 15% dos servidores de carreira, aumentando os salários dos funcionários contratados: a verba de cada deputado passará dos R$ 44 mil dados anteontem para R$ 50.815.

"Quem tem besta que o carregue não precisa comprar cavalo" parece, então, ser o lema da Câmara nesta era severina, que, justiça seja feita, teve início antes de Severino: este aumento é herança de João Paulo.