Título: 'Não quero mais viver sem ter uma vida própria'
Autor: Adriana Dias Lopes
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/02/2005, Vida, p. A15

Tetraplégico há 24 anos, Kléber Canuto quer ter o "direito a uma boa morte"

Kléber Silveira Canuto, de Jaboatão dos Guararapes (PE), quer o direito à eutanásia. Canuto, de 42 anos, ficou tetraplégico aos 18, uma semana antes de se alistar no Exército. Exatamente como o protagonista de Mar Adentro, filme que entrou em cartaz há dois dias, ele bateu a cabeça no chão ao pular no mar. A seguir, dois depoimentos. O dele e o de Ademar Canuto, seu pai.

KLÉBER SILVEIRA CANUTO

"Não quero mais viver sem ter uma vida própria. Não quero ficar contra a lei. Mas se o Estado não pode cumprir a sua obrigação, que é dar uma vida ou uma morte com dignidade a todos os seus cidadãos, então que grupos que respeitem a vida em todos os seus sentidos, inclusive na eutanásia, ajudem pessoas como eu a ter uma boa morte. Preciso de ajuda. Eu quero a eutanásia.

A eutanásia é uma verdade que o Brasil ainda não quer aceitar como realidade. Acredito que as pessoas que não querem mais viver porque não têm vida própria têm o mesmo direito de ser ajudadas tanto quanto as que precisam de órgãos ou são vitimas das enchentes ou da seca. Mas não são.

Tem muita gente que neste momento está presa a camas ou cadeiras de rodas, dependendo de outras pessoas o tempo todo e para tudo, que quer o direito a uma boa morte. Mas tudo o que se escuta é 'deixe disso, que a vida aqui passa depressa' ou 'isso é pecado' ou 'não tenho coragem'. E mais um monte de desculpas para se esconder da única verdade: elas não estão nem aí com o problema. Para elas, quem se ferrou, se ferrou. Elas não lembram que acidentes acontecem e que qualquer um pode ficar aleijado ou ter uma doença degenerativa e perder a tão preciosa vida própria.

E aí? O que se faz? Só há duas alternativas. Uma é se conformar em não ter mais vida própria. Nesse caso, a família e os amigos devem ajudar e dar todo o apoio possível. A outra é se juntar a uma minoria, da qual eu faço parte, que clama pelo simples direito de ter uma boa morte, sem ser chamado de covarde, maluco ou ateu. Nesse caso, também temos o mesmo direito de ser ajudados.

Não quero que essa seja mais uma matéria sobre o assunto. Preciso que lembrem de mim daqui a uma semana, um mês ou até que eu consiga ser ajudado. Obrigado."

ADEMAR CANUTO

"Antes do acidente, meu filho era um rapaz saudável, que praticava vários esportes. Um dia, então, aconteceu o acidente que o tornou tetraplégico. Depois de ter tentado tudo o que era possível para se restabelecer, fato que jamais aconteceu, ele se fechou completamente, recusando os menores prazeres que ainda poderia desfrutar da vida. Quando lhe perguntam a idade, ele diz com certa ironia que tem 18 anos, idade do acidente.

Desde então ele persegue com teimosia e esforço uma maneira para findar os seus dias. Chega a ganhar a confiança das pessoas para para ajudá-lo em seu desejo de morrer. Mas tudo é em vão. Ninguém compactua com ele o seu desejo. Hoje, Kléber procura por todos os meios adquirir legalmente o direito da eutanásia. Se um dia ele conseguir, não sei qual seria a minha posição."