Título: 'Kyoto não fará nenhuma diferença'
Autor: Bjorn Lomborg
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/02/2005, Vida, p. A16

Autor do polêmico livro 'O Ambientalista Cético' diz que o tratado em vigor desde quarta-feira apenas adiará o aquecimento global.

Entre aqueles que discordam do Protocolo de Kyoto, não poderia faltar o dinamarquês Bjorn Lomborg. Para o polêmico autor de O Ambientalista Cético, o celebrado acordo de combate ao aquecimento global representa um grande desperdício de tempo e dinheiro. Recursos que, segundo ele, seriam mais bem empregados em outras causas de necessidade imediata, como o combate à malária e ao HIV. "O Protocolo de Kyoto é bom no sentido de mostrar que o mundo se importa; que há muita gente disposta a gastar um monte de dinheiro para fazer o bem", disse Lomborg, em entrevista ao Estado. "Eu apenas preferiria que esse dinheiro fosse gasto em algo benéfico de fato, em vez de um acordo que não vai realizar praticamente nada." Que o protocolo não vai resolver o problema das mudanças climáticas sozinho é fato consumado. Mesmo seus defensores admitem que é apenas um primeiro passo em um esforço de longo prazo para frear o aquecimento do planeta. O acordo, que entrou em vigor na quarta-feira, exige que os países desenvolvidos reduzam suas emissões de gases do efeito estufa em cerca de 5% até 2012, com base nos índices emitidos em 1990.

Para Lomborg, entretanto, trata-se de um passo mal planejado. A média de todos os modelos macroeconômicos sobre Kyoto, segundo ele, indica um custo de US$ 150 bilhões a US$ 350 bilhões anuais para a redução de emissões a partir de 2008 (incluindo os Estados Unidos). Um investimento que deverá comprar, na melhor das hipóteses, um adiamento de seis anos no aquecimento global até 2100. "Estamos gastando uma quantidade enorme de dinheiro, tempo e esforço para fazer muito, muito pouco", diz. Veja o resto da entrevista concedida ao Estado por telefone, de sua casa na Dinamarca.

O senhor propõe que os recursos de Kyoto devam ser usados em uma estratégia diferente de resposta ao aquecimento global ou para tratar de outros problemas completamente diferentes?

No Consenso de Copenhague (encontro organizado por ele em 2004), alguns dos maiores economistas do mundo, incluindo três vencedores do Prêmio Nobel, se reuniram para analisar diferentes problemas do mundo e decidir sobre quais poderíamos obter o maior benefício a partir de investimentos disponíveis. O resultado mostrou que muito pode ser feito e que as prioridades são a prevenção da aids, o combate à desnutrição, a eliminação de barreiras comerciais e a malária. Lá no fundo da lista ficou Kyoto. Basicamente, se você combate o HIV, cada US$ 1 investido traz um retorno de US$ 40, em termos sociais, enquanto para Kyoto você tem um retorno de US$ 0,02 a US$ 0,50. Portanto, há coisas muito mais importantes a fazer.

O aquecimento global, então, não é um problema tão grave quanto parece?

Certamente é algo que precisaremos resolver a longo prazo, nos próximos cem anos. O que as pessoas precisam entender é que o aquecimento global é um de muitos desafios que o mundo está enfrentando e que uma maneira muito mais eficiente de lidar com ele é investir na pesquisa e desenvolvimento de energias renováveis. Em outras palavras, garantir que, eventualmente, será mais barato usar energias renováveis do que queimar combustíveis fósseis. Em vez de contar com o altruísmo de todos e ficar fazendo um tratado atrás do outro para reduzir emissões, eu preferiria muito mais depender do egoísmo das pessoas e garantir que nossos filhos e netos terão acesso a energias renováveis tão baratas que eles optarão por usá-las independentemente de estar preocupados com o meio ambiente.

E o Protocolo de Kyoto não seria um incentivo a essa inovação tecnológica?

Eu diria que sim, mas de uma forma muito limitada. É preciso levar em consideração que Kyoto não é um desperdício completo de dinheiro: se você investir US$ 1, provavelmente receberá um retorno de US$ 0,02. Portanto, há um certo benefício. Mas, se você quiser incentivar o desenvolvimento de energias renováveis, essa é uma maneira muito ineficiente de fazê-lo em 30 ou 50 anos - taxar a economia inteira para forçar uma fração minúscula dela a mudar de comportamento. Se o objetivo é esse, o certo é atacar o assunto diretamente. Os EUA gastam US$ 200 milhões em pesquisa e desenvolvimento de renováveis. Se você multiplicar isso por dez, ainda seria 1% do custo americano para implementar Kyoto.

Os EUA fizeram a opção certa, então, ao abandonar Kyoto e buscar uma solução tecnológica?

Aqui é preciso separar as ações e as razões pelas quais elas são tomadas. Acho que os EUA podem ter, de fato, adotado a estratégia correta, mas provavelmente pelas razões erradas. Ao mesmo tempo que rejeitam Kyoto, não tenho certeza de que estejam interessados em melhorar as condições de vida no mundo.

Que tipo de impacto devemos esperar das mudanças climáticas numa escala global?

Antes de tudo, é importante dizer que algumas das incertezas estão embutidas nos modelos climáticos e não há nada que possamos fazer sobre isso. Grande parte dessa incerteza, entretanto, está relacionada à maneira como imaginamos o mundo daqui a cem anos. As estimativas da ONU prevêem um aquecimento de 1,4º C a 5,8º C até 2100. Meu argumento é que a maioria dos cenários está na faixa dos 2º C a 3º C. O cenário de 5,8º C requer que continuemos a queimar combustíveis fósseis em grandes quantidades até o século 22, o que acho muito improvável, pois os combustíveis renováveis vão se tornar competitivos muito antes disso. Eu diria, então, que o cenário mais provável para 2100 é de 2º C a 3º C de aquecimento. Isso tem implicações. O nível do mar vai subir entre 30 e 50 centímetros, o que não é trivial. Por outro lado, para não dizer que vamos todos morrer afogados, precisamos lembrar que o nível do mar já subiu 18 centímetros no século passado e eu custo a acreditar que a maioria das pessoas tenha notado alguma diferença. Essas situações existem, mas são situações com as quais podemos lidar.

E quanto à agricultura?

O aumento da temperatura deverá causar uma redistribuição da produção agrícola mundial. Poderá ser mais fácil, por exemplo, cultivar alimentos na Sibéria, enquanto a maioria dos países tropicais terá sua produção diminuída. Mas, novamente, precisamos pensar no tamanho do problema. Estamos falando de uma redução de 7% a 14% na produção agrícola do Terceiro Mundo. Isso não é algo trivial, de maneira alguma, mas a mudança na produção global de alimentos será basicamente zero. Trata-se, portanto, de uma questão comercial, mais do que qualquer outra coisa. Isoladamente, isso vai afetar principalmente o Terceiro Mundo, mas se investirmos em HIV, desnutrição, malária e acesso a mercados esses países estarão muito mais bem preparados para lidar com os problemas de 2100.

O ideal, então, é que devemos nos preparar para as mudanças climáticas, mais do que tentar evitar que elas aconteçam?

Isso mesmo. Precisamos ver realisticamente o que pode ser feito sobre mudança climática - o que, no curto prazo, é muito, muito pouco. Kyoto não fará virtualmente nenhuma diferença. Mesmo se todos cumprirem o acordo, isso apenas adiará o aquecimento global por seis anos em 2100. Portanto, dizer que você vai ajudar um cara em Bangladesh a lidar com as inundações adiando o problema por mais seis anos soa para mim como um calote. Seria muito mais lógico ajudá-lo com os problemas que ele está enfrentando agora, como a malária e a falta de acesso à água potável.

Mas você terá de cortar emissões em algum momento, não? Ou então ficaremos nos adaptando para sempre.

É claro. A longo prazo, precisamos parar de usar combustíveis fósseis. O grande problema de Kyoto é que ele está focado em cortar emissões já, porque isso nos faz sentir bem, apesar de ser muito caro e não resolver praticamente nada. Eu preferiria muito mais lidar com os problemas de agora e me preocupar com o aquecimento global em 50 anos. O ideal é que devêssemos tratar de todos os problemas no mundo, mas quando você pensa de maneira realista precisa admitir que isso não é possível. Faço a seguinte pergunta: devemos lidar com um problema sobre o qual podemos fazer muito pouco, por um custo muito alto, ou com problemas sobre os quais podemos fazer muito mais, por um custo muito menor?

Desde que o senhor publicou seu livro, O Ambientalista Cético, em 2001, mudou alguma de suas opiniões? Como lidou com as críticas de outros ambientalistas e cientistas?

Minhas opiniões mudaram muito pouco. As críticas partem do princípio de que deveríamos tentar fazer de tudo, resolver todos os problemas, mas esse é um delírio moral que estou tentando eliminar. Não podemos fazer tudo, então é preciso priorizar. Em um mundo ideal, eu adoraria acabar com a aids, a malária, os subsídios e o aquecimento global, mas o mundo não é assim. Por isso acho justo questionar onde é que podemos ser mais benéficos. E certamente não é em Kyoto, apesar de muita gente não querer ouvir isso.

Qual é, na sua opinião, o maior problema ambiental da atualidade, se não o aquecimento global?

Depende de onde você está. No mundo desenvolvido, sem dúvida, é a poluição externa do ar, apesar das melhorias nos últimos anos. E, nos países em desenvolvimento, a poluição interna do ar (dentro das residências). A Organização Mundial da Saúde estima que de 2 milhões a 5 milhões de pessoas morram por ano por causa de poluição interna, o que significa 10% da mortalidade mundial. São principalmente mulheres e crianças, intoxicadas pelo uso de combustíveis como esterco, papelão ou qualquer outra coisa que possam queimar para cozinhar. O que me leva a outro argumento: o que faz de um problema ambiental um problema ambiental é a pobreza. A solução, obviamente, não é regulamentar o esterco, mas fazer que essas pessoas se tornem ricas o suficiente para comprar querosene. Quem não sabe onde vai conseguir a próxima refeição não está preocupado com o meio ambiente daqui a cem anos. A longo prazo, portanto, precisamos tornar o resto do mundo rico e confortável o suficiente para que as pessoas possam parar de se preocupar em pôr comida no prato e começar a se preocupar com a saúde do planeta.