Título: Mais uma mordida
Autor: CELSO MING
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/03/2005, Economia, p. B2

O Copom mordeu mais meio ponto porcentual, ainda assim, dentro do previsto. Com juros básicos a 19,25% ao ano, o Brasil se fortalece na condição de campeão dos juros altos entre os países emergentes porque ultrapassou a Turquia, em segundo lugar, hoje com juros a 17,5% ao ano. O comunicado emitido logo após a reunião nada explicou. Apenas na próxima quinta-feira, quando será divulgada a ata, é que ficarão conhecidas as razões do Banco Central para mais essa estocada e a provável data do início da reversão do aperto.

Em meados de março, os indicadores externos pioraram muito e isso não havia sido considerado pelo Copom em fevereiro, quando a mensagem foi surpreendentemente confiante, a ponto de passar a impressão de que o ajuste monetário estava próximo do fim.

Nesta semana, os preços do petróleo ultrapassaram os US$ 56 por barril de 159 litros, o que tende a exigir algum arrocho dos juros nos países ricos de modo a neutralizar o repuxo inflacionário. Um novo arrocho lá fora implica redução da atividade econômica e, em princípio, redução das exportações do Brasil para os países ricos.

Ontem, o Departamento do Comércio dos Estados Unidos divulgou um rombo externo (déficit em conta corrente) em 2004 de US$ 617,1 bilhões, ou 5,5% do PIB, 24,3% superior ao de 2003. Isso significa que os Estados Unidos ficaram mais dependentes de poupança externa para cobertura dos seus saldos negativos.

Não dá para esconder que aumenta a insegurança nos mercados quanto à sustentabilidade desse déficit e isso já provoca alta da remuneração dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos (T Notes e T Bonds). O que se pergunta é se o Federal Reserve (banco central) sancionará essa alta também para os juros básicos, hoje de 2,75% ao ano, na reunião do dia 22. Se o aperto não passar de 0,25 ponto porcentual, haverá alívio geral. Mas, se o ajuste mudar de patamar para 0,5 ponto porcentual, será entendido que as condições da economia americana exigem mais cuidado e os investidores internacionais estarão mais dispostos a desovar títulos de países emergentes. Independentemente do que vier a ser a decisão do Fed, o índice do risco Brasil subiu 66 pontos em sete dias úteis, fechando ontem a 432 pontos, o que reflete mais aflição.

No âmbito interno, a inflação ainda não dá sinais de trégua. A evolução do IPCA em fevereiro foi de 0,59%, ou 7,39% em 12 meses. Mesmo levando-se em conta que a maior parte da alta ocorreu em conseqüência de um fator sazonal (reajuste das mensalidades escolares), não dá para afirmar que o Banco Central esteja obtendo sucesso na convergência da inflação para a meta de 5,1% ao ano.

Pode-se discutir se as regras da política monetária estão certas ou erradas. Mas, se têm de ser aplicadas, como insiste o Banco Central, segue-se que os juros altos têm de continuar por mais tempo.

Afora isso, há o avanço do dólar no câmbio interno. O Banco Central passou a ser um agressivo comprador de dólares. Nos últimos três meses, deve ter comprado cerca de US$ 12 bilhões.

Essa atuação tem sido elogiada porque está sendo eficiente, a um só tempo, para impedir a excessiva valorização do real e para formar reservas externas. Mas é gol contra do ponto de vista da política monetária (política de juros).

Quanto mais baixa for a cotação do dólar no câmbio interno, melhores serão as condições do combate à inflação porque o dólar baixo tende a baratear em reais os produtos importados e todas as mercadorias (commodities) cujos preços são dados em dólares.

Em 19 dias úteis (desde 17 de fevereiro), o Banco Central conseguiu empurrar as cotações do dólar em 7,9%. Agora, será inevitável que essa alta se esparrame para os preços internos. Isso passa o recado de que não é para levar demasiadamente a sério a afirmação de que a prioridade do Banco Central seja o combate à inflação.