Título: A conversão de Sharon, o defensor do Estado palestino
Autor: Zev Chafets
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/02/2005, Internacional, p. A19

Primeiro-ministro de linha dura israelense encontra um novo líder, George W. Bush, e passa a agir como quem viu a luz.

Ariel Sharon não é um cristão. Ele não acredita que os mansos herdarão a terra. Ele não ama seus inimigos. Deixe-o na estrada para Damasco e ele estará mais inclinado a invocar George Patton do que Saulo de Tarso. Ultimamente, no entanto, Sharon vem se comportando como se tivesse passado por algum tipo de conversão. Ele se tornou um proponente do Estado palestino na Cisjordânia e Faixa de Gaza. Está disposto a - e até mesmo anseia por - retirar os israelenses dos assentamentos que ele próprio ajudou a construir em Gaza. Ele autorizou a libertação de prisioneiros palestinos. Na semana retrasada, foi a Sharm el-Sheikh, Egito, e, com o mundo inteiro assistindo, apertou afetuosamente a mão de Mahmud Abbas. Não foi a primeira vez que Sharon foi fotografado trocando um aperto de mãos com um líder palestino, mas foi a primeira vez que ele pareceu feliz com isso.

Logo depois daquele encontro, terroristas palestinos dispararam morteiros contra assentamentos israelenses em Gaza. No passado, Sharon teria respondido com uma barragem de mísseis e palavras rudes sobre a perfídia palestina. Desta vez, ele ofereceu a outra face.

Alguns acreditam que Sharon - o símbolo da linha-dura intransigente - viu a luz da não-violência (Abbas, numa entrevista no fim de semana passado, disse que Sharon está falando "uma outra língua"). Mas isso leva a uma interpretação errônea do homem e do momento. Ariel Sharon não fundou uma nova língua ou uma nova religião; ele simplesmente abraçou um novo líder: George W. Bush.

Sharon é freqüentemente retratado como um geoestrategista maquiavélico. Mas ele não é visionário. Em mais de 50 anos de vida pública, nunca articulou um pensamento mais amplo que "Atacar!" Ele é, de fato, um solucionador de problemas inato, o punho cerrado brilhantemente eficaz de uma série de mentores que vai do primeiro chefe de governo de Israel, David Ben-Gurion, ao 43.º presidente dos Estados Unidos.

No início dos anos 50, quando o Exército israelense se mostrou incapaz de lidar com as incursões árabes, Ben-Gurion apelou para um jovem oficial de infantaria, Ariel Sharon. Ele ordenou que Sharon recrutasse e liderasse um destacamento capaz de atuar segundo as regras locais. Sharon respondeu lançando sangrentas ações de retaliação que anunciaram a prontidão de Israel de lutar sujo.

Este foi o começo da carreira de Sharon como o Luca Brasi israelense. Como o personagem de O Poderoso Chefão, Sharon era um instrumento à disposição, mas só nas mãos dos padrinhos (e madrinhas) cuja autoridade ele aceitava.

Depois da Guerra dos Seis Dias, a primeira-ministra Golda Meir enviou Sharon à Faixa de Gaza com uma tarefa simples: eliminar o terrorismo. Ele foi tão bem-sucedido que Gaza permaneceu praticamente em paz nos 20 anos seguintes.

Em 1973, o Exército egípcio lançou um ataque-surpresa através do Canal de Suez. Sharon, então um general da reserva, foi escolhido por Meir e pelo ministro da Defesa Moshe Dayan - outro mentor de sua vida - para liderar um contra-ataque. O Exército de Sharon acabou se aproximando do Cairo, e só um cessar-fogo o impediu de percorrer todo o caminho até as pirâmides.

Em 1977, Menachem Begin chegou ao poder com a visão de incorporar (ele diria "reincorporar") todas as terras de Israel e Judéia bíblicos ao Estado moderno de Israel. Isto significava a construção de assentamentos em território ocupado. Os árabes, é claro, se opunham firmemente. A opinião internacional era hostil. O governo Carter qualificou os assentamentos de ilegais. Muitos israelenses eram contra a idéia. Begin convocou Sharon. Embora a construção do "grande Israel" não fosse idéia sua, ele a abraçou com o fervor costumeiro. Em pouco tempo, assentamentos surgiam por todos os lados.

Então Begin fez um acordo de paz com o Egito que previa a retirada do Sinai. Sharon derrubou alguns dos próprios assentamentos com eficiência e afastamento emocional. Ele não reclamou. Era uma tarefa.

Em 1982, Begin ordenou que Sharon, então ministro da Defesa, invadisse o Líbano. A idéia era impedir terroristas palestinos de atacar a fronteira norte de Israel. Mas Begin também achava que a derrota do Exército de Libertação da Palestina no Líbano enfraqueceria sua influência na Cisjordânia e Gaza. Ele acreditava ainda que Israel poderia instalar um governo cristão amigável em Beirute. O plano fracassou. Sharon, culpado por não evitar o massacre de palestinos nos campos de refugiados de Sabra e Chatila, foi afastado do Ministério da Defesa. Begin ficou doente e renunciou. Sharon estava sozinho.

Uma série de primeiros-ministros temeu e desconfiou de Sharon. Eles o mantiveram à distância e o ocuparam com trabalhos sem importância. Durante anos ele ficou à deriva. Depois dos Acordos de Oslo, com a paz aparentemente ao alcance da mão, ele parecia ser uma relíquia.

A intifada o salvou. O governo de Ehud Barak entrou em pânico diante dos homens-bomba. Desta vez foi o público que convocou Sharon, elegendo-o primeiro-ministro em 2001 com um mandato claro: restaurar a ordem. Demorou um pouco - ele estava enferrujado -, mas Sharon fez o trabalho. Então veio a pergunta: e agora?

Entra George W. Bush. Durante a intifada, Bush impressionara Sharon deixando-o lutar. Os críticos do presidente chamaram isso de "desengajamento americano". Na verdade, foi uma hábil construção de confiança. Ao longo de sua carreira, Sharon nunca confiara em estrangeiros; ele os manipulava. Mas Bush era diferente - os dois homens pensavam da mesma maneira. Bush desprezava Yasser Arafat. Para ele, a segurança israelense vinha antes das concessões israelenses. E ele estava disposto a usar a força. Depois que Saddam Hussein foi derrubado, Sharon adotou Bush como seu padrinho numa causa comum, a guerra ao extremismo islâmico.

Como todos os líderes de Sharon, Bush tem um plano - pacificar a Palestina criando um Estado árabe independente e democrático ao lado de Israel. Outrora, sob Begin ou Meir, Ariel Sharon teria matado para impedir tal visão. Hoje, diante das ameaças de extremistas israelenses, ele está pronto para morrer tentando transformá-la em realidade.