Título: Mandar esses dois jornalistas para a prisão seria extremamente injusto
Autor: Judith Miller
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/02/2005, Internacional, p. A20

Você não vai ler isso com freqüência numa página de editorial, mas os jornalistas não estão acima da lei. Essa verdade desconfortável foi confirmada por três juízes federais na terça-feira. Eles mantiveram a decisão de um tribunal de instância inferior que determinou que dois jornalistas - Judith Miller, do New York Times, e Matt Cooper, da revista Time - terão de ir para a cadeia se não revelarem suas fontes a Patrick J. Fitzgerald, o promotor público especial que está investigando vazamentos na Casa Branca. Os vazamentos expuseram uma agente do serviço de informações porque o governo Bush implicava com o marido dela. Isso parece um crime. Mas se os jornalistas estão isentos do dever normal dos cidadãos de testemunhar sobre o conhecimento de um crime e o autor do vazamento também está isento com a justificativa de não se incriminar, talvez não haja nenhuma forma de esse crime ser punido.

Não surpreendentemente, acreditamos que o trabalho dos jornalistas é socialmente valioso. E às vezes são necessárias fontes anônimas para fazer esse trabalho. É por isso que somos a favor do privilégio do jornalista de honrar sua promessa de sigilo, mas compreendemos que dois avisos podem ser socialmente valiosos, também. Primeiro, esse privilégio não pode ser absoluto. Precisa ser analisado em relação a outras considerações tais como a aplicação da lei. Segundo, abalar esse equilíbrio não pode ficar somente a critério dos jornalistas individualmente. Essa avaliação precisa ser feita por tribunais ou, preferencialmente, pelo Congresso, com um lei nacional de proteção.

Há mais de três décadas que o privilégio concedido aos jornalistas tem sido uma confusão, diferentemente, por exemplo, do privilégio de advogados e cônjuges de não testemunhar contra alguém. Os jornalistas têm precisado prometer o anonimato sem saber se isso pode levá-los para a cadeia. Se a extensão do privilégio fosse mais definida, a maioria dos jornalistas não prometeria o que não poderia cumprir.

O problema no caso de Miller e Cooper é que eles já prometeram manter o anonimato e se sentem obrigados a cumprir essa promessa, independentemente do que decidirem os tribunais.

Miller e Cooper nem mesmo foram aqueles que publicaram o nome do espião da CIA. Isso foi feito pelo colunista Robert Novak, e o mistério porque ele não está fazendo as malas para ir para a prisão continua sem solução.

Cooper chegou a testemunhar a uma determinada altura, quando um suspeito da investigação sobre o vazamento lhe pediu para confirmar que o promotor público estava visando o alvo errado. Cooper fez isso e imediatamente foi citado novamente por outra evidência.

Nesse ponto está difícil de acreditar que Fitzgerald tenha qualquer dúvida sobre a identidade do culpado ou que tenha muito a ganhar atormentando Cooper e Miller.

Fitzgerald provou que, se os jornalistas não devem ter total critério para resolver sobre a extensão do seu privilégio, também não devem ter os promotores. E é por isso que necessitamos de uma lei clara.

Nesse ínterim, enviar para a cadeia esses dois dedicados jornalistas - que nem mesmo estiveram envolvidos no vazamento da CIA - seria extremamente injusto e absurdo.