Título: Reforma polêmica
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/03/2005, Editoriais, p. A3

Como era inevitável, a reforma sindical concebida por um governo dirigido basicamente por sindicalistas está provocando intensa polêmica. Enquanto as duas maiores centrais a defendem quase na íntegra, as lideranças empresariais decidiram lançar uma ofensiva contra algumas de suas principais inovações. Apesar de ter participado ativamente das discussões que culminaram numa proposta de emenda de quatro artigos da Constituição e num projeto de lei ordinária que modifica radicalmente o capítulo sobre relações sindicais da velha Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o patronato alega que suas ponderações pouco foram ouvidas e que o projeto de reforma privilegia uma das partes em detrimento da outra. Uma das reclamações diz respeito ao dispositivo que introduz a figura da "substituição processual" nas relações trabalhistas, ou seja, a prerrogativa dos sindicatos, federações, confederações e centrais de acionar as empresas, em nome de seus trabalhadores. Em princípio, a idéia do governo era neutralizar as pressões que elas costumam fazer quando são processadas. Mas, como o projeto não fixa limites precisos para o exercício desse direito, ele abre caminho para que entidades sindicais possam tomar iniciativas sem autorização dos empregados ou mesmo contra a vontade deles.

Outro ponto criticado pelo patronato é a criação de comitês de empregados no local de trabalho. Embora já tenha sido adotada experimentalmente, com bons resultados, por grandes corporações, como montadoras de veículos, essa inovação assusta as pequenas e médias empresas. Além dos gastos que terão para reequipar seus departamentos jurídico e administrativo, elas temem, com razão, o desvirtuamento desses comitês. Ou seja, em vez de se limitar a discussões de temas trabalhistas, eles poderiam ser convertidos em instrumento de proselitismo e de pressão para uma "gestão compartilhada".

Por isso, se quiser realmente ver seu projeto aprovado pelo Congresso, o governo terá de transigir nesses dois pontos. No caso da "substituição processual", a alternativa mais sensata para evitar guerras judiciais entre empresas e entidades trabalhistas é fixar com clareza os casos em que estas poderão bater nas portas dos tribunais e condicionar suas iniciativas a uma prévia manifestação daqueles que serão por elas beneficiados. Já no caso dos comitês de fábrica, o temor do patronato não é sua constituição em si, mas o método de escolha de seus integrantes e os limites de sua atuação. São detalhes legislativos que, apesar de sua complexidade política e jurídica, podem ser ajustados pelo Congresso, sem desfigurar as linhas gerais do projeto.

Curiosamente, um dos problemas que mais interessa aos trabalhadores - o custeio dos sindicatos - tem sido relegado a segundo plano. Atualmente, cada empregado paga o equivalente a um dia de trabalho por ano, a título de "contribuição sindical". E, embora os sindicatos insistam em cobrar uma "contribuição confederativa", como forma de ressarcimento das despesas com acordos coletivos, os não-sindicalizados podem se recusar a pagá-la. O projeto substitui essas contribuições por outras duas. Uma, a "contribuição associativa", seria a mensalidade espontaneamente paga pelo trabalhador sindicalizado. A outra é a "contribuição de negociação coletiva", que será cobrada, obrigatoriamente, de filiados e não-filiados. Ou seja, nenhum trabalhador poderá deixar de pagá-la.

Além de colidir com o princípio da liberdade de associação sindical, que a proposta do governo consagra, a nova "contribuição" é mais uma tungada no bolso de todos os trabalhadores. Isto porque o teto fixado para ela, de 1% do valor total da remuneração do trabalhador, conforme o montante registrado na declaração do Imposto de Renda, representa um aumento de 30% com relação à atual contribuição sindical. E como o projeto é omisso, em matéria de reeleição de dirigentes, esse aumento de recursos pode fortalecer ainda mais o poder da cúpula do movimento sindical, dificultando a renovação de suas lideranças.

Como já dissemos em outros editoriais, muitos dos dispositivos do projeto representam um avanço. Mas é preciso que, durante sua tramitação no Legislativo, deputados e senadores saibam depurá-lo de tudo o que ele tem de ideológico, de corporativo e de segundas intenções.