Título: O papel da ANP
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/03/2005, Editoriais, p. A3

Por lei, a função da Agência Nacional de Petróleo (ANP) é a de promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo. São estas as atribuições básicas da agência reguladora, não lhe cabendo, portanto, definir prioridades da política nacional do petróleo e gás natural, como sugeriu seu futuro diretor-geral José Fantine, indicado na última quinta-feira pelo presidente da República e que antes de assumir será sabatinado pela Comissão de Infra-Estrutura do Senado.

Engenheiro químico aposentado da Petrobrás, onde atuava em planejamento estratégico e ex-presidente da Petrobrás Distribuidora (BR), Fantine declarou, em entrevista à Gazeta Mercantil, que pretende expandir as reservas de hidrocarbonetos e o parque refinador do País. Não está em discussão a decisão estratégica de o Brasil centrar ou não esforços nessas áreas, mas no papel da ANP e do seu diretor-geral. E este papel não se confunde com a escolha das prioridades de investimento, que cabe ao Conselho Nacional de Política Energética (que, estranhamente, não tem feito reuniões no atual governo), ao Ministério de Minas e Energia (MME) e às empresas do setor, a começar da Petrobrás. Compete à ANP apenas "autorizar a prática das atividades de refinação".

Nos países desenvolvidos, as agências reguladoras tomam decisões sem ingerência política, pois seu propósito é fazer cumprir a legislação e os contratos dos setores de infra-estrutura - telecomunicações, transportes, eletricidade, petróleo, águas -, com vistas a atrair companhias privadas para investir em projetos de prazo longo, para os quais é essencial que haja um marco regulatório firme. Como afirmou a Carta do Ibre de março, da revista Conjuntura Econômica, no Brasil "as freqüentes aparições do tema das agências no noticiário estão mais associadas a episódios de interesse público imediato, como 'apagões', 'caladões' ou aumento de tarifas". Por mais relevantes que o sejam para a opinião pública, estes assuntos não devem predominar na agenda dos órgãos de regulação, cuja importância é medida pela independência de decisões e pelo exercício do papel de juiz que tanto pode decidir a favor como decidir contra o governo e suas empresas.

Entre os atributos do indicado para dirigir a ANP estão o fato de ter sido funcionário da Petrobrás, privar do que chama de "amizade acadêmica" com o secretário-executivo do MME, Maurício Tolmasquim, e estar afinado com a ministra Dilma Rousseff, como faz questão de enfatizar. "Tenho experiência de anos no setor, tanto na exploração e produção quanto na área de logística, e várias outras. Alguém lembrou de mim lá", afirmou Fantine a Kelly Lima, do Estado.

Cabe indagar se o indicado para dirigir a ANP não tivesse entre seus atributos - sem discutir suas qualificações técnicas - o de ser "amigo" dos altos quadros do MME, teria liberdade para tratar de temas que extrapolam os limites da agência reguladora.

As primeiras declarações do futuro diretor da ANP nos autorizam a dizer que ele começa mal. Afirmou, por exemplo, que considera injustas as acusações da iniciativa privada de que o atual governo não tem compromisso com o processo de abertura do setor petrolífero nacional. Procurou, assim, defender a política oficial, ignorando que seu papel terá de ser o de árbitro, para que a ANP não seja vista como um braço do MME ou do governo Lula. A responsabilidade da agência é manter a previsibilidade e a estabilidade das regras do jogo, bem como o cumprimento das obrigações contratuais pelo Estado, para, assim, viabilizar a operação eficiente do mercado de petróleo. Ter sido funcionário da Petrobrás é menos importante do que poder decidir, se for o caso, contra a estatal.

A ANP regula um dos setores-chave da economia. O petróleo tem peso superior a 5,4% no Produto Interno Bruto (PIB), conforme dados da ANP relativos ao início da década, e o Brasil deverá atingir a auto-suficiência, provavelmente, no ano que vem. Isto se deveu tanto à abertura do mercado como à reação positiva da Petrobrás após a perda de sua condição monopolística. A abertura foi consolidada pela Lei 9.478, de 1997, que criou a agência reguladora. À direção da ANP não importa ter "amigos" no poder, mas assegurar o ambiente institucional necessário à atração de investimentos privados para o setor.