Título: Esquerda pede choque partidário e novo rumo para o governo
Autor: Fausto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/03/2005, Nacional, p. A5

No PT que cobra independência do presidente Lula não teve água de coco, nem frevo, nem caminhadas na praia - a ala rebelde trocou a festa de 25 anos do partido por um acalorado encontro de trabalho em São Paulo que virou ato de protesto contra "a postura de comodismo" e culminou com o lançamento do Bloco de Esquerda Parlamentar. Integrado por deputados federais que não aceitam mais punições "pela coerência e por tentar recuperar a história e a trajetória do PT", o bloco já conta com 15 nomes. É menos de 20% do efetivo do partido na Câmara, mas abre caminho para forte reação a capítulos das reformas sindical e trabalhista, à autonomia do Banco Central e aos métodos que a cúpula do partido emprega quando enfrenta parlamentares amotinados.

"Não podemos nos curvar a uma disciplina partidária falsa", declarou Ivan Valente (PT-SP), um dos coordenadores do seminário que reuniu também juristas, intelectuais, a prefeita de Fortaleza, Luizianne Lins, e João Pedro Stédile, o líder dos trabalhadores sem-terra. Ao falar "desse momento tão delicado da vida do PT", Valente insistiu. "Eles (o governo) não respeitaram a disciplina ao implementar a Carta aos Brasileiros que mandava cumprir os contratos, quando o encontro nacional do PT mandava romper com os acordos com o FMI. Não foram punidos por isso. Precisamos dar um choque partidário."

Os radicais distribuíram "manifesto à militância", com 13 pontos, em que expressam sua insatisfação com os rumos do governo Lula e fazem um alerta sobre o risco de o PT "não só perder eleitoralmente, mas de ser derrotado como projeto histórico". O documento anuncia a estratégia do Processo de Eleições Diretas (PED), que renovará as direções partidárias. "O processo não poderá se transformar no ritual da ausência de debates e no chancelamento da política do governo", diz o texto. "O PED deve ser um momento de explicitação de projetos e um chamado à militância para virar o jogo."

Eles querem resgatar o programa partidário "com uma postura de combate e com nomes que representem a resistência petista autêntica ao projeto conservador que vem sendo implementado". O chamado à militância "deve se dar não apenas no partido, mas no conjunto dos movimentos sociais e nas entidades populares".

"Nosso partido, desde o princípio do governo, deixou de lado sua vocação transformadora", aponta o manifesto. "Ao invés de convocar a militância para ser protagonista de um projeto de mudanças, desmobilizou-a. Abriu-se as portas do partido para filiações sem qualidade política, o que levou ao erro de incorporar nas nossas fileira nomes tão estranhos como Flamarion Portela, adversário da causa indígena e envolvido no escândalo dos gafanhotos."

Os radicais protestam contra a adoção de "um financiamento de campanha aberto a interesses estranhos aos dos trabalhadores para depois se surpreender com o caso Waldomiro". Não aceitam que o partido e a bancada sejam transformados "em correia de transmissão do governo, erro grave que elimina a crítica e a conseqüência é tentar resolver divergências políticas com medidas burocráticas e autoritárias, num eterno vigiar e punir dos que são coerentes com a história do partido".

Condenam o "continuísmo da política econômica, mais ortodoxa que no governo FHC" e as alianças de Lula. "Prioriza-se o leque de partidos com mais incorporação à direita, tornando-se ainda mais refém da política conservadora, distribuindo mais cargos e ministérios para esses setores. Esta política de alto risco, de incorporação de setores fisiológicos à base aliada leva o governo para a direita e não garante melhores condições de governar."

Stédile reconheceu que "a esquerda está em crise, é uma vergonha porque não consegue unificar e não tem clareza ideológica". Ele comparou as reuniões da esquerda a "uma assembléia de sapos em dia de chuva". Defendeu "o estímulo às lutas sociais". Chamou o ministro Antônio Palocci (Fazenda) de "Malocci", "a ponte entre o Malan (Pedro Malan, ministro da Fazenda no governo Fernando Henrique) e o Palocci".

Luizianne atribuiu infidelidade a Lula, a José Dirceu e a José Genoino. "Quem foram os infiéis, quem cometeu infidelidade partidária foram o Zé Dirceu, o Genoino e o Lula, foram eles."