Título: Genoma da mulher é mais complexo
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/03/2005, Vida &, p. A16

A diferença genética entre homens e mulheres não está mais restrita ao cromossomo Y. Pesquisas publicadas hoje mostram que a expressão de genes do cromossomo X - ou seja, a maneira como ele comanda a síntese de proteínas - também varia entre os sexos e, até mesmo, entre as mulheres. O que reforça a idéia de que o ser humano não possui um único genoma, mas dois: o do homem e o da mulher - por acaso, bem mais complexo do que o primeiro, segundo os pesquisadores. Todo ser humano possui 23 pares de cromossomos em cada célula. Entre eles, um par de cromossomos X e Y, cuja combinação determina essencialmente o sexo da pessoa: mulheres são XX e os homens, XY. Só que o X é muito maior e contém muito mais genes do que o Y. Por isso, como uma forma de equilibrar a balança genética, um X feminino é sempre naturalmente desativado ainda no estágio embrionário. De maneira que, para finalidades práticas, elas possuem apenas uma cópia ativa do cromossomo, assim como o homem.

O que os novos estudos comprovam, entretanto, é que nem todos os genes desse X inativado são efetivamente silenciados. Muitos continuam a funcionar, permitindo que as mulheres produzam quantidades maiores de certas proteínas.

"Nossa pesquisa mostra que o X desativado nas mulheres não é tão silencioso quanto pensávamos", disse Laura Carrel, da Universidade do Estado da Pensilvânia, co-autora de um dos estudos publicados na revista Nature. "Os efeitos desses genes do cromossomo X inativo poderiam explicar algumas das diferenças entre homens e mulheres que não são atribuídas aos hormônios sexuais." De resto, os outros 22 pares de cromossomos são idênticos e igualmente funcionais em ambos os sexos.

Carrel e o colega Huntington Willard, da Universidade de Duke, compararam a expressão gênica do cromossomo X de 40 mulheres e descobriram que cada uma tinha um padrão de expressão diferenciado. Cerca de 15% dos genes do X silenciado permaneciam ligados, proporcionando uma síntese aumentada de proteínas em relação aos homens (que possuem apenas um X e, portanto, apenas uma cópia de cada gene desse cromossomo). Outros 10% apresentavam expressão variada também entre uma e outramulher. "Nós agora sabemos que 25% do cromossomo X - entre 200 e 300 genes - podem ser expressos de maneira única em um sexo em relação a outro. Essencialmente, portanto, não há um único genoma humano, mas dois - masculino e feminino", afirma Willard.

As conseqüências clínicas e fisiológicas dessa diferença, segundo Carrel, ainda faltam ser desvendadas. Mas é possível que tenham implicações importantes na maneira como homens e mulheres desenvolvem doenças e respondem a tratamentos específicos.

"A diferença genômica entre homens e mulheres é realmente muito grande", realça o geneticista Sérgio Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais. Ele lembra que uma expressão gênica aumentada não é necessariamente benéfica. Ter dois genes funcionando em vez de um pode ser bom ou ruim, dependendo da função daquele gene. A síndrome de Klinefelter, por exemplo, é causada pela presença de um X a mais no genoma masculino e a síndrome de Down, por um cromossomo a mais no par 21.

SEQÜENCIAMENTO

O segundo estudo, assinado por mais de 250 pesquisadores (incluindo Carrel e Willard) traz o seqüenciamento completo do cromossomo X. Uma das surpresas é o número pequeno de genes em comparação com outros cromossomos: apenas 1.098, em uma seqüência de 155 milhões de pares de bases - as combinações de letras químicas A, T, C e G que compõem a estrutura do DNA. Em resumo, menos 2% de todo o cromossomo codifica proteínas efetivamente.

O que não o torna menos importante, segundo a pesquisadora Helena Brentani, do Laboratório de Bioinformática do Hospital do Câncer. "São poucos genes, mas o que tem lá é superimportante." Ela lembra, por exemplo, que 10% das doenças que são causadas por um único gene (monogênicas) estão relacionadas ao cromossomo X. "Só por isso ele já merece toda a nossa atenção."

Ao todo, mais de 300 doenças conhecidas têm suas raízes genéticas no cromossomo X - muito mais do que qualquer outro cromossomo. Entre elas, hemofilia, distrofia muscular de Duchenne, cegueira de cor (daltonia) e várias formas de retardamento mental. Grande parte dos antígenos relacionados a tumores também são expressos nesse cromossomo, o que faz dele um alvo crucial para a pesquisa do câncer.

O cromossomo Y, por sua vez, que também já foi seqüenciado, é o menor de todos e possui menos de cem genes, relacionados principalmente à formação e ao funcionamento dos testículos. Estudos indicam que o X e o Y evoluíram de um par de autossomos (todos os outros cromossomos não-sexuais) 300 milhões de anos atrás. O cromossomo Y, entretanto, foi significamente reduzido de lá para cá. "Ninguém sabe o que vai ocorrer dentro de alguns milhões de anos, mas a tendência do Y é desaparecer", afirma Pena. Nesse caso, as características exclusivamente masculinas seriam expressas por outros mecanismos.