Título: Economistas vêem círculo vicioso nos juros altos
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/02/2005, Economia, p. B4

Trabalho mostra que custos aumentam com a carga tributária, levando à inflação e novas altas da Selic

RIO - O Brasil entrou num círculo vicioso em que os altos juros alimentam a inflação, e a inflação justifica a alta dos juros. Esta visão está contida em recente trabalho do economistas José Roberto Afonso e Erika Amorim Araújo, e do especialista em finanças públicas Amir Khair. Curiosamente, o estudo é bipartidário: Afonso assessora a liderança do PSDB na Câmara dos Deputados, e Khair é filiado ao PT, tendo trabalhado em documentos do partido na campanha de 2002. O trabalho chama a atenção para o fato de que a despesa de juros do governo é a maior do setor público, atingindo R$ 128,3 bilhões em 2004, depois de um pico de R$ 145,2 bilhões em 2003. "A despesa com juros em 2004 equivale a quatro vezes o rombo do INSS", diz Khair.

Segundo os especialistas, "a carga tributária e os juros estão conectados, são irmãos gêmeos, siameses". Na sua análise, os altíssimos juros da dívida pública são um fator permanente de preocupação quanto à solvência do governo, combatido com sucessivos aumentos do superávit primário (resultado fiscal antes do pagamento de juros). Porém, como o governo não consegue cortar gastos, nem reduz os juros, o superávit primário é obtido com aumentos da carga tributária.

Aqueles aumentos, por sua vez, elevam o custo das empresas, que tentam repassá-los aos preços, provocando pressões inflacionárias, às quais o Banco Central reage com novas altas da Selic, o juro básico. Estas reforçam as dúvidas quanto à solvência, levam a novas ampliações do superávit primário, mais carga tributária e inflação, num autêntico círculo vicioso.

Às vésperas de mais uma reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), na qual as expectativas do mercado indicam que haverá novo aumento da Selic, hoje em 18,25% ao ano, Afonso e Khair juntam-se à corrente que defende uma queda da taxa básica. Eles não definem níveis precisos para o corte da Selic, e Khair frisa que "nada em economia, hoje, pode ser feito de forma abrupta".

Mas, na sua opinião, o Brasil deveria caminhar para uma taxa de juro real de no máximo 7%, sem risco de alta da inflação. Hoje, a "Selic real" (a taxa básica, descontada a inflação esperada para os próximos 12 meses) está em quase 12%. Eles indicam também uma série de medidas de desoneração tributária do setor produtivo, que deveriam ser concomitantes ao processo de redução da Selic.

O trabalho mostra que a carga tributária em 2004 atingiu 36,8% do PIB, com um aumento de 1,5 ponto porcentual em relação aos 35,2% de 2003. Deste aumento, apenas a Cofins contribuiu com 45%. Para Afonso, este é um típico caso no qual o círculo vicioso mencionado pelo estudo se manifesta. Em fevereiro, o aumento da Cofins atingiu os grandes contribuintes, e o economista nota que o impacto dela sobre os preços industriais foi reconhecido pelo próprio BC, na ata da reunião do Copom de março. Nela, depois de notar que a variação dos preços industriais em fevereiro foi de 2,3%, a ata atesta que "a generalização dos itens com variações positivas no IPA industrial - 66,7% dos itens tiveram aumento - indica influência da alteração na legislação da Cofins".

Em abril e maio, continua o economista, iniciou-se a incidência da Cofins sobre a importação de insumos. Ele nota que, além do efeito direto sobre o custo das empresas que utilizam insumos importados, o PIS e a Cofins reforçados entram na base de cálculo do ICMS, levando a um aumento também deste imposto. Em 2005, ele prevê impactos inflacionários com a incidência plena, o ano inteiro, do aumento da Cofins, e com as conseqüências da MP 232, que aumenta a carga tributária dos prestadores de serviços.

O estudo aponta que, na média da América Latina, os investimentos dos governos federais representam 1,8% do PIB, enquanto no Brasil são de apenas 0,4%, apesar da carga tributária muito maior que nos outros países.