Título: Ciclo de aperto monetário não é uma coisa popular
Autor: Rodrigo Azevedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/02/2005, Economia, p. B4

Diretor de Política Monetária dá a entender que essa política vai continuar e diz que preocupação do BC não é com o curto prazo

Dizendo-se bastante à vontade e confortável no cargo, o economista Rodrigo Azevedo, diretor de Política Monetária do Banco Central (BC), dá sua primeira entrevista desde que assumiu o cargo, há três meses, às vésperas de mais uma reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em que o BC deve definir a nova taxa de juros. Segundo expectativas do mercado financeiro, a taxa Selic deverá subir 0,50 ponto porcentual. Azevedo não indica quanto a taxa deverá aumentar, mas pelas suas declarações pode-se deduzir que o aperto monetário continua. E ao explicar por que tantos analistas econômicos e integrantes do mercado financeiro têm se surpreendido com decisões mais duras do Copom, Azevedo diz que "a análise do BC, diferentemente do foco de curto prazo do mercado, é de maior preocupação com a dinâmica de inflação, olhando as metas de 2005 e 2006". E mais: diz que o BC não lidera as expectativas de inflação. "Caso fosse assim, a tentação seria colocar a expectativa de inflação para baixo, de olho no cumprimento da meta de inflação, o que seria inviável."

A seguir, os principais trechos da entrevista:

O Banco Central está sendo alvo de críticas constantes em relação à aplicação da política monetária. A que o sr. atribui isso?

Estamos praticando um ciclo de aperto monetário de forma a assegurar as metas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional para 2005 e 2006. E ciclo de aperto monetário, em qualquer lugar do mundo, não é exatamente uma coisa popular. O fato de BCs, em geral, serem instituições com viés mais antiinflacionário do que a sociedade pode produzir ruídos.

Como é que o BC está tratando as expectativas de inflação?

Faz parte da política monetária do BC sinalizar, por meio de documentos como atas do Copom, relatórios de inflação ou comunicados, a sua expectativa de inflação. Note bem que o BC vem sinalizando, desde junho do ano passado, que estava preocupado com a dinâmica da inflação e começou o processo de aperto monetário em setembro. Mais recentemente, as pressões inflacionárias têm se manifestado de maneira mais incisiva do que o esperado, conforme descrito nas últimas atas.

O mercado vem se surpreendendo com o aperto da política monetária. Não está acreditando nessas sinalizações?

Em parte, pode ser. A análise do BC, diferentemente do foco de curto prazo do mercado, é de maior preocupação com a dinâmica de inflação, olhando as metas de 2005 e 2006.

Essa dissintonia é natural ?

Isso faz parte do processo do mercado de ir acompanhando e apreendendo como o BC tem olhado a dinâmica inflacionária.

O mercado tem tido uma visão diferente do BC sobre inflação?

Os números de inflação no último trimestre do ano passado ficaram mais altos do que aqueles com que trabalhava o mercado. Agora, vale registrar que, se de um lado o mercado está surpreso com os números acima do esperado no curto prazo, de outro o BC tem trabalhado, no médio prazo, com uma visão mais realista, no nosso entender, do que aquela utilizada pelo mercado: o mercado continua trabalhando com um número de inflação muito acima do que aquele com o qual trabalha o BC para 2005, por exemplo. O mercado tem, neste momento, expectativa de inflação de 5,75% em 12 meses, captada pela pesquisa Focus. A última previsão que o BC tem no Relatório de Inflação de dezembro é de 5,3% para 2005.

Mas não é o BC quem lidera expectativas de mercado?

Não necessariamente. O BC lida com um conjunto bastante amplo de informações, similar àquele a que têm acesso os agentes do setor privado. O que o BC tem de diferente é um esforço de tratamento desses dados, em geral mais intensivo em comparação a instituições do setor privado. Seja em número de pessoas dedicadas a esse esforço, seja em volume: o BC tem acesso a informações disponibilizadas por diferentes agentes do setor privado e com isso consegue um quadro geral mais amplo. Esse volume tanto de pessoas como de informações possibilita uma análise bastante acurada sobre o processo inflacionário. E tem ajudado o BC a se manter à frente da curva de expectativas inflacionárias, o que não significa que o BC lidera as expectativas. Caso fosse, a tentação seria baixar a expectativa de inflação, de olho no cumprimento da meta de inflação, o que seria inviável.

Acusa-se o BC de estar perseguindo, com obsessão, uma meta de inflação difícil de cumprir. Desde a criação do sistema de metas de inflação, poucas vezes ela foi cumprida. As administrações passadas do BC tinham maior flexibilidade em relação à meta de inflação?

É difícil fazer uma comparação com administrações passadas. Posso falar por esta. Temos o compromisso de atingir 5,1% este ano. Achamos que é factível. Discordo que as administrações anteriores tenham usado mais flexibilidade: a natureza dos choques enfrentados pelo Brasil nos últimos cinco anos é muito diferente dos choques enfrentados pelo Brasil nos últimos 18 meses. E choques diferentes requerem respostas diferentes do ponto de vista de uso da flexibilidade que o sistema de metas de inflação nos dá. Já fomos flexíveis ao alterar o objetivo para o qual é calibrada a política monetária para 2005 de 4,5% para 5,1%.

Mas, e os intervalos permitidos no sistema de metas de inflação, eles não estão sendo considerados?

É importante entender qual é a função do intervalo de metas. No Brasil, temos o maior intervalo praticado por países emergentes que usam o sistema de metas de inflação, pois não usamos como referência o núcleo da inflação, e sim a inflação cheia. O intervalo serve para que a meta possa ser cumprida na medida em que ocorram choques diferentes daqueles esperados quando se calibrou a taxa de juros para atingir a meta. Se estamos no último trimestre do ano, por exemplo, e ocorre um choque, não faz muito sentido uma resposta significativa de taxa de juros para que a meta seja atingida naquele ano calendário.

Qual a inflação corrente hoje pelos cálculos do BC?

Na verdade, quem faz o cálculo de inflação corrente é o IBGE. O último dado diz que a inflação andou a 7,6% no acumulado dos 12 meses até dezembro. Este número, em 2003, foi de 9,2%. Portanto, houve queda. Mas também é importante registrar que a inflação de 12 meses, até março de 2004, era bem menor: 5,5%. E em maio, também no acumulado de 12 meses, de 5,2%. Portanto, a inflação mostrou queda até maio, mas voltou a acelerar no fim do segundo semestre de 2004.

Se o Brasil usasse o núcleo de inflação para balizar a meta, os juros poderiam ser menores?

Se utilizássemos o núcleo, provavelmente o intervalo da meta de inflação seria menor. Mas não necessariamente a meta. No caso de 2004, vale lembrar que o núcleo de inflação por exclusão foi mais alto que a inflação cheia. No meu entender, a política monetária não teria sido conduzida de maneira muito diferente se tivéssemos nos orientado pelo núcleo em lugar de inflação cheia. Acho que a metodologia atual continua bastante apropriada.

Sem um aperto maior da política fiscal, o aperto da política monetária terá efeito positivo?

O instrumento que temos utilizado está sendo eficaz. Acho importante destacar que a política fiscal tem dado suporte à política monetária. E, mais importante, a política fiscal tem sido conduzida para assegurar que no médio prazo tenhamos redução da relação dívida/PIB. Isso é importante para reduzir taxas de juros reais de médio prazo. Na medida em que existe a convicção deste governo de que essa é a fórmula com a qual se deve trabalhar, isso dá o suporte para que a política monetária continue a ser eficaz no médio prazo. Em 2004, a relação dívida/PIB caiu 5 pontos porcentuais.

Qual o nível a perseguir na relação dívida/PIB?

São duas as questões relevantes: a primeira, a de nos assegurarmos de uma trajetória declinante. A segunda é que ela tem avançado bem mais rápido do que se esperava. A previsão de mercado, em 2003, era de se atingir valores próximos a 52% do PIB em 2006.

Essa queda não tem relação direta com a cotação do real?

O câmbio foi menos importante em 2004 do que que se imagina. Foram fatores mais tradicionalmente associados à dinâmica de dívida - superávit primário, crescimento elevado, taxa de juros real mais baixa em 2004 -, que vinham sendo a média, que permitiram essa queda.

O mercado acredita que o BC demorou muito para criar as novas operações de swap cambial invertido. O senhor concorda?

Não, no nosso entender estamos no momento correto em relação a nossos objetivos: recomposição de reservas e aceleração da redução do passivo cambial, sem adição de volatilidade. Temos nos pautado por aproveitar condições favoráveis de mercado, tentando atingir esses objetivos.

O BC está atuando no câmbio para elevar a cotação da moeda?

Os comunicados do BC sobre a atuação no mercado de câmbio são muito claros. Não temos compromisso com nenhum nível de taxa de câmbio nominal. Conseguimos comprar US$ 2,7 bilhões em dezembro e o ritmo de compras no mercado pronto continuou favorável em janeiro e, agora, em fevereiro. Os números de janeiro serão divulgados em breve, e o ritmo de compras continuou em janeiro próximo a dezembro.

Existe meta para as reservas?

Não, gostaríamos que as reservas internacionais fossem mais altas. O importante é que, dado o perfil mais favorável do balanço de pagamentos, o nível de reservas de que o Brasil precisa a médio prazo é menor do que ele foi em momentos nos quais a balança de pagamento era mais vulnerável, como em 1999 e 2000.

O BC pensa em fazer alguma alteração em relação à legislação cambial da exportação ou compensação dos bancos no caso de operações cambiais?

Essa não é minha área, mas a diretoria de Assuntos Internacionais do BC anunciou, há tempos, que iria aperfeiçoar a legislação cambial brasileira. Isso vai acontecer em momento apropriado.

Essa reestruturação da legislação pode ser feita aos poucos?

No meu entender, o que está sendo trabalhado é a legislação cambial como um todo, não necessariamente em partes separadas.

A Lei de Falências vai promover queda da taxa de juros?

É um quesito importante no diagnóstico que o BC traçou para a chamada agenda do spread bancário. A agenda microeconômica, no entanto, tem um prazo de trabalho, um resultado mais de médio prazo, mais estrutural. Vamos olhar o que aconteceu com o crédito consignado em 2004. Houve resultados bastante positivos, que mostraram como uma medida, que melhora a qualidade de execução de garantias, pode ser importante para reduzir o spread.

O senhor foi convidado a ocupar a diretoria de Política Monetária. Economista de carreira, como se sente à frente de uma diretoria operacional?

A grande novidade para mim é estar no governo, ter a responsabilidade de ser diretor do BC. Essa não é uma questão relevante para o governo ou para a atuação da diretoria do BC. Portanto, estou bastante à vontade com o cargo nesse momento e com as responsabilidades a mim atribuídas.

Os rumores sobre mudanças de diretores no BC têm atrapalhado os trabalhos?

Há muito ruído para pouco fato. Prefiro me alinhar com o que já foi dito pelo ministro da Fazenda e pelo presidente da República recentemente: em time que está ganhando não se mexe.