Título: Venda a prazo vira camisa-de-força
Autor: Márcia De Chiara
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/03/2005, Economia, p. B1

As vendas parceladas em três ou quatro vezes sem acréscimo já são responsáveis por quase a metade dos negócios a prazo do varejo, segundo estimativas da Associação Comercial de São Paulo (ACSP). Até dois anos atrás, essa modalidade de pagamento era praticamente insignificante e só era oferecida ao consumidor esporadicamente. Hoje o parcelamento sem acréscimo faz parte da rotina do comércio, de grandes redes varejistas a pequenas butiques de bairro, incluindo supermercados. E tornou-se uma camisa-de-força para o consumidor. Tanto é que obter um desconto no pagamento à vista, que é lógica financeira usual em qualquer economia, é uma tarefa quase impossível.

As lojas insistem que não há juros embutidos no preço à vista e dizem que repassam as boas condições de negociação oferecidas pelas indústrias. Os fabricantes, por sua vez, negam que facilitam o pagamento para o varejo girar mais rápido as mercadorias.

Nesse jogo de empurra-empurra, resta ao brasileiro pesquisar preço e tentar negociar com o vendedor. Os órgãos de defesa do consumidor não têm instrumentos técnicos nem legais para investigar se há juro embutido no preço à vista, quando a loja propõe parcelá-lo mantendo o valor.

O consumidor desconfia dos anúncios de planos parcelados sem juros. O casal de aposentados Geraldo Marconi, 70 anos, e Maria Odete Rosa, de 69 anos, de Campo Grande (MS), que na sexta-feira passeava em São Paulo, não acredita nesse tipo de oferta. "Ninguém vende sem juros", diz Rosa. No ano passado, por exemplo, ele comprou um sofá em dez prestações de R$ 45, mas se arrependeu porque pagou bem mais caro. Ele decidiu comprar a prazo ao não obter desconto à vista. "Está cada vez mais difícil conseguir abatimento."

Nas contas do economista da ACSP, Emílio Alfieri, de quase 1,5 milhão de consultas mensais para venda com cheque neste ano, cerca de 10% são para pagamento à vista. A maioria, ou 1,35 milhão de cheques, são pré-datados, usuais no parcelamento em três ou quatro vezes sem juros. Esse volume equivale ao total de consultas mensais recebidas pela entidade para vender no crediário em igual período. "O parcelamento sem juros chega a quase 50% das vendas financiadas."

Os cálculos do economista ganham respaldo de grandes varejistas. No Ponto Frio, por exemplo, o parcelamento de curto prazo sem juros representa 40% dos financiamentos, diz o presidente da rede, Roberto Britto. Há um ano essa parcela era pouco significativa, observa. "Não existe mágica nessa modalidade de venda", diz. Ao dividir o preço à vista, o varejo abre mão de parte de sua margem, observa . "O grande pagador dessa conta é o comércio."

Nas Lojas Cem essa forma de pagamento emplacou. A venda em quatro vezes sem acréscimo representa 30% do total a prazo. Há dois anos, era de 10%, conta o supervisor-geral, Valdemir Colleone."É um ótimo argumento para atrair o consumidor que abomina juros. Também é ótima forma de ludibriar o consumidor", pondera. O que o varejista quer é que o cliente volte à loja para pagar o carnê e comprar outros produtos. "Só o retorno do consumidor três vezes na loja compensa vender a prazo com custo zero."

O diretor comercial das Lojas Colombo, Marcelo Bellizia Scarabichi, também diz que a fidelização do cliente é um dos benefícios dessa forma de pagamento. Na sua empresa, os planos de três vezes sem acréscimo respondem por 13% das vendas a prazo. Ele diz que essa forma de pagamento é fruto de negociações mais flexíveis com os fornecedores.