Título: Negociações entre Mercosul e UE recomeçam hoje em Bruxelas
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/03/2005, Economia, p. B5

Em mais uma tentativa de superar o clima de incertezas, o debate entre o Mercosul e União Européia (UE) para um acordo comercial será retomado hoje em Bruxelas. O objetivo é preparar um mandato negociador ao processo. Na capital da UE, diplomatas europeus acusam o Mercosul de estar fazendo as negociações "andarem em círculos". Para o embaixador Régis Arslanian, que lidera a delegação brasileira, o processo negociador precisa ser delimitado e alguns parâmetros estabelecidos antes que novas ofertas de liberalização sejam feitas entre os blocos. As conversações entre Mercosul e UE deveriam ter sido concluídas em 2004. Mas a falta de entendimento impediu o acordo. Em janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou sua passagem pelo Fórum Econômico de Davos para se reunir com o presidente da Comissão Européia, José Manuel Barroso. Os dois se comprometeram a avançar com o processo para uma conclusão até o fim do ano. Há três semanas, Brasil e UE estabeleceram que o entendimento poderia ser reiniciado a partir das melhores ofertas de abertura realizadas.

Mas diferenças no próprio Mercosul impediram o bloco de aceitar, por enquanto, a proposta de reiniciar a negociação a partir dessas melhores ofertas. O Mercosul acredita que a melhor oferta dos europeus ocorreu durante reunião em Brasília e nunca foi posta no papel. Os europeus alegam que estariam prontos para montar, nos próximos dias, uma nova oferta de liberalização que reúna os melhores aspectos de cada uma das ofertas já feitas por Bruxelas.

A recusa do bloco em aceitar a retomada das negociações a partir das ofertas deixou os europeus desapontados e com dúvidas sobre o compromisso do Mercosul de concluir o acordo em 2005. "A negociação não consegue encontrar seu ponto de partida", afirma um responsável da UE pelas negociações agrícolas.

O Mercosul, portanto, optou por levar a Bruxelas a proposta de uma agenda e parâmetros para o processo. O objetivo do bloco seria lidar com pontos sensíveis que precisariam de orientação política para solução. Em abril, os ministros dos dois blocos se reunirão para fechar um entendimento sobre essas questões espinhosas e possibilitar que novas trocas de ofertas ocorram.

Uma dessas questões delicadas é o grau de abertura que a UE dará aos produtos agrícolas do Mercosul. O Brasil argumentará que um dos parâmetros para a negociação deve ser a criação de comércio. Ou seja, o acordo deve aumentar o fluxo entre os países. Em algumas propostas já apresentadas e recusadas, o grau de liberalização dado pela UE era inferior ao total vendido hoje por Brasil e Argentina ao mercado europeu.

Outro ponto que será levantado pelo Mercosul será o das condições impostas pelos europeus. Em alguns produtos agrícolas, a UE prevê um teto para as exportações sul-americanas. Na avaliação de alguns setores produtivos, isso representará o congelamento das vendas ao mercado europeu em um certo nível, o que não seria aceitável.

Já da parte dos europeus, os pontos que serão trazidos também são sensíveis ao Mercosul. Os europeus querem garantias de circular livremente seus produtos entre os quatro países do bloco. Outra reivindicação é o fortalecimento das leis de propriedade intelectual e antipirataria. Denominação de origem dos produtos também promete ser um tema polêmico, já que os europeus querem garantias de que nomes como parmesão ou Bourdeaux não serão usados em produtos que não sejam dessas regiões.

Enquanto os parâmetros começam a ser tratados, tanto o Mercosul quanto a UE trabalham internamente para montar novas ofertas. No Brasil, o Itamaraty já se reuniu com o Ministério da Fazenda para avaliar como poderá garantir certa abertura no mercado de serviços financeiros, ponto de interesse para os europeus. Segundo Arslanian, o governo ainda está se reunindo com o setor privado para entender em quais segmentos industriais estão as sensibilidade quanto a uma abertura.