Título: Febem assusta a Cidade Aconchego
Autor: José Maria Tomazela
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/03/2005, Metrópole, p. C4

TUPI PAULISTA-Pela primeira vez em seus 50 anos, a dona de casa Ivanilde Silva Souza Bortolani, de Tupi Paulista, oeste de São Paulo, incluiu na rotina, anteontem, trancar bem portas e janelas à noite. "Onde não tinha tranca mandei pôr." A notícia da chegada da primeira leva de internos da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem) na penitenciária local se espalhou rapidamente entre os 13 mil moradores da Cidade Aconchego, como é chamada. Na sexta-feira à noite, a cidade recebeu 89 jovens, de um total de 700, com mais de 18 anos, saídos da Febem de São Paulo. A segunda leva deve chegar hoje. Os moradores, que já eram contra a transferência de presos condenados, entraram em polvorosa com os novos inquilinos. "Esses garotos são daqueles que matam o pai e saem para passear. São piores que qualquer bandido", disse o frentista Sebastião Olímpio de Brito. "Aconchego, aqui, não tem mais." O apelido faz sentido: a cidade plana, com ruas bem arborizadas, pracinhas tranqüilas e casas simples, é mesmo acolhedora.

"Estranhos, daqui para a frente, não serão bem-vistos", afirma o ex-caminhoneiro Orlando Velo, de 70 anos. "Atrás desses infratores virão parentes, amigos de parentes, gente boa e muita gente ruim. Quem vai impedir?" O ex-bancário Nelson Rossi, 52 anos, acredita que o interior também tem de dar sua contrapartida. "São Paulo já agüentou muito tempo a bandidagem que não é só de lá, mas do Estado todo. Foi assim com o Carandiru, agora está acontecendo com a Febem", disse, referindo-se à desativação do complexo penitenciário da capital que implicou a construção de dezenas de presídios no interior, 21 na região oeste.

O secretário de Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa, disse que a solução é provisória: os internos da Febem serão transferidos quando o Estado concluir a construção de dez unidades. Mesmo assim, o prefeito Osvaldo Benetti (PFL) viaja amanhã a São Paulo para pedir ajuda ao governo.

Benetti busca um reforço no caixa da saúde, defasado depois que o Estado cortou, na virada do ano, a verba de R$ 24 mil mensais de um programa de qualidade de vida. "Há a tendência de os parentes virem para cá. A demanda vai crescer." Ele também se preocupa com a falta de infra-estrutura para receber visitantes e novos moradores, principalmente depois que o Estado decidiu bancar visitas e dar ajuda de custo para as famílias dos internos. O único hotel só tem 40 leitos.

Ontem, os transferidos não receberam visitas. Segundo agentes penitenciários, estavam "de castigo" por terem participado de rebeliões. Alguns parentes chegaram de manhã em um carro com placas de Assis, mas tiveram de retornar.

Tupi já teve o segundo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Estado, na década de 90. Hoje, está em 222.º lugar. No passado, tinha o café, o dobro de população e quase um carro por habitante. Agora, a economia agrícola gera pouca riqueza. A receita bruta de R$ 1 milhão por mês não permite que o município use recursos próprios para recapear as ruas com o asfalto esfarelado nem a recuperação da lagoa de tratamento de esgoto, que está com infiltrações.

Cirurgião dentista, Benetti defendeu a vinda da penitenciária quando foi vereador. Agora, com a Febem, quer reforçar o policiamento, embora não acredite em fugas. Ele lembra que o presídio fica longe da área urbana, a 15 quilômetros, mais próximo da cidade vizinha, Nova Guataporanga. Lá, os 2.238 moradores aproveitaram a missa de Ramos, ontem, para pedir proteção. A penitenciária fica a menos de 6 km do centro.

"Entreguei dois revólveres ao governo na campanha do desarmamento; me arrependi. Vou comprar outro melhor", diz o agricultor Joaquim Bernardo Gomes, de 75 anos. A agricultora Nair Gomes, de 55 anos, também passou a trancar a casa e tem medo de ir para a roça. "A gente pode ser atacada." O prefeito Policarpo Santos Freire (PSDB), de 62 anos, pediu 60 casas, mais policiais e carros ao governo. A cidade já teve uma prova da violência que acompanha os presídios. Há um mês, o Mercadinho Castilho foi assaltado por um homem que tinha cumprido pena numa cadeia da região.

A penitenciária de Tupi Paulista foi construída em parceria com o governo federal e custou R$ 14,9 milhões. O Ministério da Justiça bancou a maior parte: R$ 11,9 milhões.