Título: A rodada da indústria
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Fonte: O Estado de São Paulo, 20/03/2005, Editorial, p. A3

C omeçou com uma ofensiva dos Estados Unidos a negociação sobre produtos industriais na Rodada Doha, que envolve 148 países membros da Organização Mundial do Comércio (OMC). O Conselho Nacional de Comércio Exterior, que congrega 300 das maiores indústrias norte-americanas, apresentou numa reunião paralela à agenda oficial, em Genebra, sua lista de pretensões. O que se pede ao Brasil é um grande corte de tarifas de importação e, no caso de alguns setores, a eliminação de barreiras tarifárias. A proposta vale também para outras economias em desenvolvimento, grandes e médias, como China, Índia, Egito e África do Sul.

O empresariado brasileiro, representado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), rejeita acordos setoriais e tem idéias diferentes sobre o que deve ser uma negociação equilibrada. Mas os americanos propuseram também, poucos dias depois, acordos setoriais para bens agropecuários - uma evidente isca para os mais interessados na liberalização do comércio desses produtos. Na sexta-feira, o governo brasileiro estudava o assunto.

Começou com o debate sobre redução de tarifas industriais, uma nova etapa da rodada global de liberalização. Uma novidade importante, no lado brasileiro, é a presença de um setor empresarial muito mais ativo do que havia sido na Rodada Uruguai, encerrada em 1994.

Isso reflete uma histórica mudança de atitude. Pelo menos uma parcela dos industriais do Brasil, a mais dinâmica e inovadora, tomou consciência de que tem de competir no mercado internacional e de que não há como recuar para o velho padrão da economia fechada. Concessões serão inevitáveis e o problema é conceber a melhor estratégia de barganha. Esse é um desafio não apenas para o Brasil, mas para um número considerável de economias emergentes.

Se essas economias puderem apresentar propostas conjuntas, como têm apresentado para o comércio de produtos agrícolas, tanto melhor.

A indústria americana levou a Genebra uma lista razoavelmente precisa de reivindicações. Defende uma redução de pelo menos 75% das tarifas consolidadas na OMC. O Brasil tem tarifas consolidadas de até 35%, mas a média das tarifas aplicadas é próxima de 12%.

A distância entre os dois tipos de tarifas é um espaço de segurança. Os governos podem aumentar as efetivas até o limite representado pelas consolidadas. Por isso, o empresariado americano cobra o rebaixamento daquele teto, argumentando que, sem isso, as concessões serão facilmente anuláveis.

Esse argumento é poderoso, mas não esgota a discussão. Será preciso negociar as listas de ofertas, de acordo com as condições e as perspectivas dos vários segmentos industriais de cada país. Sobretudo, será necessário evitar, como disse a economista Sandra Rios, assessora da CNI, acordos que envolvam tratamento igual para setores de países diferentes. Os governos dos emergentes defendem tratamento diferenciado, que lhes permita cortar menos, ou em prazos maiores, as tarifas de setores mais vulneráveis. Quanto a esta pretensão, Brasil, Argentina, China, Índia e África do Sul estão de acordo.

Desde o seu lançamento, no final de 2001, a Rodada Doha tem sido tratada, pelo Brasil e por outros países emergentes, quase como se fosse uma negociação entre economias desenvolvidas e economias essencialmente agrícolas. O Brasil participa do Grupo de Cairns, o primeiro formado em torno de objetivos de política agrícola, desde sua constituição, na Rodada Uruguai. Em 2003, a diplomacia brasileira liderou a organização do Grupo dos 20, com composição diferente, mas também destinado a lutar contra os subsídios e o protecionismo agrícola das grandes potências.

Chegou o momento, enfim, de enfrentar a negociação sobre o comércio de produtos industriais. Essa discussão interessa à indústria brasileira não só porque o País terá de fazer concessões, mas também porque os exportadores brasileiros poderão ganhar com o maior acesso a mercados. A diplomacia brasileira tem dado menos ênfase à questão da indústria em todas as grandes negociações que envolvem países desenvolvidos. Talvez não tenha sido a melhor estratégia e uma nova atitude seja recomendável. Se for preciso mudar, esta é a hora