Título: Lula reage, nomeia apenas dois ministros e deixa PP fora do governo
Autor: Vera Rosa e Tânia Monteiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/03/2005, Nacional, p. A4

BRASÍLIA -Foi o dia de virar a mesa. Numa reação ao ultimato dado pelo presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), que ameaçou romper com o governo caso seu partido não fosse contemplado no primeiro escalão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu ontem encerrar as negociações sobre a reforma ministerial. Muito irritado com a ameaça do PP e as pressões de todos os lados, Lula anunciou apenas dois novos ministros: o senador Romero Jucá (PMDBRR) na Previdência Social e o deputado Paulo Bernardo (PT-PR) no Planejamento, além do líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP). 'Quem o Severino pensa que é? Quem manda aqui sou eu. Não aceito pressão e não vou ficar refém de nenhum partido', esbravejou Lula, na manhã de ontem, pouco antes da reunião com a cúpula do PMDB, na qual comunicou sua decisão. O presidente ficou furioso com a repercussão do ultimato dado por Severino na segunda-feira, quando ele exigiu para hoje a nomeação do deputado Ciro Nogueira (PP-PI) no Ministério das Comunicações. Pior: disse que, se não fosse atendido, o PP se aliaria ao PFL.

Lula convocou para hoje a primeira reunião ministerial de 2005, na qual apresentará Jucá, substituto do também senador peemedebista Amir Lando, e Paulo Bernardo, que entrou no lugar de Nelson Machado. Os novos ministros foram empossados no fim da tarde de ontem.

Na prática, o presidente suspendeu a reforma para demonstrar autoridade. Não admitiu ficar sob ataque fisiológico e não suportava mais as cobranças. Agora, iniciará outra rodada de negociações com os aliados, começando hoje pelo PTB. Depois será a vez do PL. 'O presidente não desistiu do governo de coalizão. Apenas sentiu que o ambiente político não ajudava e tirou o tema da pauta', avaliou o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP).

SOMA ZERO

Lula estava insatisfeito com o desenho que lhe foi apresentado para a mudança da equipe. Dizia que, do jeito que estava, a reforma seria um jogo de soma zero: não ampliaria a base do governo no Congresso nem resolveria o problema de gestão. Além disso, não queria desalojar o petista Olívio Dutra do Ministério das Cidades, repensava a situação de Humberto Costa (PT) na Saúde e também estava aborrecido com a pressão para acomodar a senadora Roseana Sarney (PFL-MA), que promete se filiar ao PMDB.

Na noite de segunda-feira, o Planalto dava como praticamente certa a nomeação de Roseana para a Coordenação Política. Lula continuava demonstrando contrariedade com a queda-de-braço em que se havia transformado a reforma, mas, para evitar mais desgaste, concordara em anunciar os nomes por etapas.

Severino, porém, entornou o caldo. 'Eu afirmaria tudo de novo', insistiu ele, dizendo ter sido mal-interpretado. 'Conversei com o presidente na segunda-feira à noite e achei que ele tivesse entendido tudo. O PP não vai para a oposição coisa nenhuma. Eu gosto é de governo.' Em reunião na manhã de ontem com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o senador José Sarney (PMDBAP), os líderes do PMDB na Câmara e no Senado, José Borba (PR) e Ney Suassuna (PB), e o ministro Eunício Oliveira (Comunicações), Lula disse que o processo da reforma estava contaminado por pressões. 'Pensei muito e vi que assim não dá', desabafou.

Apesar dos percalços, ele pretende construir uma aliança mais sólida com o PMDB e ter o partido como parceiro na campanha de 2006, quando disputará a reeleição. 'O presidente deixou claro que fará a reforma ministerial, mas sem pressa. Não quer estabelecer prazos para ganhar tempo', comentou Renan. 'Diante do que aconteceu, a decisão foi correta e equilibrada.' Quase seis meses depois de afirmar que faria uma reforma na equipe para ampliar o espaço dos aliados e dar eficiência à máquina administrativa, Lula pagou o preço da indecisão.

Como tudo demorou demais, partidos de sua base de sustentação - como o PP e o PMDB - foram fazendo mais e mais exigências depois da fragorosa derrota governista na Câmara.

Até que Severino não se conteve com a indefinição do Planalto e rasgou o verbo. 'A verdade é que esse governo, para decidir morrer, demora seis meses', ironizou o líder do PP na Câmara, José Janene (PR).