Título: Tarso insiste em mais recursos para Educação e cobra decisão de Lula
Autor: Lisandra Paraguassú
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/03/2005, Nacional, p. A12

A criação do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) rachou o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Apesar de ser uma proposta que consta do programa de governo do PT, a idéia de colocar mais R$ 4,3 bilhões no orçamento do Ministério da Educação para financiar o ensino básico - uma área que, pela Constituição, é responsabilidade dos Estados e municípios - desagrada profundamente à equipe econômica. A proposta de emenda constitucional que cria o Fundeb foi enviada esta semana para a Casa Civil da maneira como o MEC a formulou, mas sem a concordância da equipe econômica. Isso é um problema, já que a tramitação de uma emenda constitucional no Congresso é mais complexa - para aprová-la são necessários os votos de três quintos da Câmara e do Senado, em dois turnos de votação em cada Casa -, tornando fundamental não só o apoio como o empenho do governo.

Até agora as conversas entre o Ministério da Educação e o da Fazenda ficavam nos bastidores. Mas diante do impasse, o ministro da Educação, Tarso Genro, decidiu falar sobre o assunto. Sem intenção de entrar para a história como o ministro que não conseguiu fazer o Fundeb, Tarso decidiu começar a briga pelos recursos, que classifica de "ínfimos" para um país do tamanho do Brasil. "Se o governo vai levar adiante ou não essa proposta é uma decisão que deve ser tomada pelo presidente Lula", diz ele.

O senhor apresentou na última semana o Plano de Qualidade da Educação Básica com várias medidas para melhorar a situação do ensino básico. O ponto principal continua sendo a aprovação do Fundeb. Mas, até agora a equipe econômica não se manifestou. O governo vai conseguir fechar a proposta?

O plano obedece estritamente a uma determinação do presidente e supõe também a proposta do Fundeb, que está com a Casa Civil. Se o governo vai levar adiante ou não essa proposta é uma decisão que deve ser tomada pelo presidente. Ele vai ter de decidir daqui para diante duas questões que não podem ser acertadas diretamente pelos Ministério da Educação e da Fazenda, porque nós temos nitidamente posições diferentes sobre o assunto. Obviamente a Fazenda tem uma preocupação maior com a estabilidade macroeconômica. Nós respeitamos essa posição, mas para nós está em primeiro lugar o processo de revolução de qualidade na educação brasileira.

O senhor já conversou com a equipe econômica e encontrou resistência para aprovar essa idéia de colocar todo esse dinheiro na educação básica?

Sim. É natural que haja uma resistência e por isso, na minha opinião, nos próximos 30, 45 dias o presidente vai ter de tomar uma decisão fundamental sobre o assunto. Vamos acatar sua autoridade. Na verdade, as nossas equipes fizeram um conjunto de reuniões técnicas nesse período e agora é o momento estrutural. Nós propusemos a retirada da educação da DRU (Desvinculação das Receitas da União, mecanismo que permite ao governo usar livremente 20% do que pela Constituição seria obrigatório investir em educação). A Fazenda tem uma posição contrária. Então mudamos a nossa proposta, que agora deixa intacta a DRU e sobe a vinculação da educação de 18% para 22,5% da receita tributária. Com isso alcançamos os mesmos recursos.

O MEC propôs essa mudança porque tem encontrado resistência da equipe econômica em aceitar qualquer alteração na DRU? Existe o receio de que ao abrir mão para a educação surja uma onda de pedidos de fim da desvinculação?

Certamente essa é uma preocupação. O Ministério da Fazenda tem de responder pela preservação da estabilidade macroeconômica de uma parte e de uma relação com os financiadores da dívida pública lá fora. E a desvinculação diz respeito a essa questão. Como o governo fez uma opção macroeconômica que vai nessa direção, temos de respeitar. Agora, não é nenhum absurdo estabelecer uma certa flexibilidade em relação a isso. Porque as grandes questões sociais, e também as econômicas, relacionadas ao desenvolvimento do País, não são resolvidas só com a estabilidade econômica. E o ministro Antonio Palocci (Fazenda) já repetiu isso muitas vezes. E quando apresentamos o plano o presidente o aprovou. Isso me leva a ter confiança de que a proposta não é só viável como absorvível pela autoridades econômicas do País.

Mas não houve concordância do Ministério da Fazenda.

Nós cumprimos a nossa palavra, propondo que os recursos necessários sejam alcançados de forma processual, em quatro anos. Se fôssemos conceber aplicação plena e imediata do Fundeb, precisaríamos já no ano que vem de R$ 4,3 bilhões. Não estamos fazendo isso. Somos solidários com a necessidade da estabilidade macroeconômica. Veja, nós tivemos do ano passado para este um aporte de recursos de R$ 1 bilhão no orçamento do ministério. O que estamos propondo é R$ 1 bilhão a cada ano para chegarmos aos R$ 4,3 bilhões em quatro anos. Ora, achamos que isso é um valor insignificante para um país das dimensões do Brasil, um país que tem uma responsabilidade política enorme na América Latina e no mundo e para um país que tem um presidente que reconhece a educação como um elemento central do seu projeto. Portanto, nós vamos manter essa proposta que estamos fazendo. Creio que temos a solidariedade da Casa Civil.

Sem chegar aos R$ 4,3 bilhões não há como fazer o Fundeb?

Até tem como fazer, mas esse Fundeb com recursos castrados não seria aceito pelos governadores. Então, a proposta que remeteríamos ao Congresso não seria aprovada. Porque os governadores indicariam que os recursos não seriam suficientes para uma transformação significativa na educação no Brasil. Se você conversar com os governadores, especialmente do Nordeste, vai ver que é uma situação dramática. Esses recursos vão dar suporte para um apoio político dos governadores à proposta. Se o Fundeb não tiver recursos suficientes seguramente não será de interesse dos governadores, não será aprovado e chegaremos a um impasse.

O senhor é o segundo ministro da Educação deste governo e o segundo a ter de pedir mais dinheiro para a educação básica. Por que em um governo do PT, do qual se esperava que a educação fosse ser prioridade, é tão difícil abrir a bolsa para investir nessa área?

Devo fazer justiça ao ministro Palocci. Nós conseguimos fazer milagres na minha gestão. Conseguimos acréscimos significativos nos recursos da educação com recursos diretamente do Tesouro, no ProUni (programa de bolsas em faculdades particulares). Tive total solidariedade do ministro. Agora, toda a estrutura estatal, e isso não acontece só no Ministério da Fazenda, tem um poder burocrático horizontal, que é fundamental para o Estado, mas tem, na minha opinião, uma deficiência. Todo burocrata tende a pensar que a sua ideologia, que ele chama não de ideologia, mas de visão técnica, é sempre uma política de Estado. E isso é um equívoco. E é por isso que processos importantes como esse sempre tem de ter a arbitragem do presidente. Por isso, temos solidariedade com a Fazenda, mas temos a nossa proposta.

Se esse impasse não chegar a um termo em breve pode acabar o mandato do presidente Lula e o Fundeb não entrar em vigor, não é? É uma emenda constitucional, que naturalmente tem tramitação demorada no Congresso e deve ser mais complicada nesse tema, que é naturalmente complicado...

Obviamente que se não for enviada nos próximos 30, 45 dias para o Congresso toda a nossa proposta fica comprometida. Todo o discurso político que fazemos de priorização da educação e de transformação do sistema educacional em um sistema mais abrangente, mais moderno e mais qualificado fica comprometido. Nossa idéia é que a própria tramitação da reforma do ensino superior só se dê depois do Fundeb. Pode tramitar junto, mas tem de ser de conhecimento primeiro do Congresso, a sua discussão tem de ser processada, até para que quando a reforma do ensino superior chegar lá, já seja discutida à luz dessas transformações.

Até porque, se não houver a melhoria da qualidade no ensino fundamental e a expansão do ensino médio, não haverá alunos para preencher todas as vagas que o governo pretende abrir no ensino superior com a reforma universitária...

Tudo está encadeado. De uma parte, a alfabetização, conectada com o ensino de jovens e adultos, com o ensino técnico, com a escola de fábrica, com programas de geração de emprego e renda, com a campanha do registro civil. Ou seja, uma porta de entrada para a educação. Segundo, a proposta de qualificação do ensino fundamental, o alargamento do ensino médio. Então a idéia é que uma pessoa possa entrar no sistema pelo ensino regular ou pela alfabetização e subir em direção ao ensino superior. Aí tem a expansão da universidade pública e o ProUni. Então, em termos ideais, aquele aluno que entra no sistema, se tiver vontade e condições e nós possamos proporcionar isso, pode idealmente chegar ao ensino superior, mesmo sendo pobre. Estamos tratando de um processo integrado, de uma transformação estrutural na educação brasileira. Qualquer um desses degraus que falhe compromete todo o edifício. Essa é uma questão decisiva. Temos reiterado para o centro do governo e para o presidente que nossa visão era estrutural. Agora está na hora de dar suporte, com decisões políticas para essa proposta.

A idéia é chegar a R$ 4,3 bilhões em quatro anos. Mas depois disso, qual é a garantia de que o governo vai continuar mantendo um aporte de recursos equivalente, acompanhando o crescimento do sistema?

Vamos ter de acompanhar a evolução de recursos. Imaginamos essa proposta numa situação em que o País vai ter um crescimento sustentado e automaticamente isso aumenta os valores relacionados com o crescimento da economia. Mas devo lembrar que ao final desse processo não teremos mais apenas R$ 28 bilhões para a educação, mas R$ 50 bilhões.