Título: Dois anos após invasão, resultados ainda confundem os americanos
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/03/2005, Internacional, p. A14

Na sexta-feira, às vésperas da passagem do segundo aniversário da invasão do Iraque pelas forças anglo-americanas, que transcorre hoje, havia apenas vestígios do fato e de suas múltiplas conseqüências nas primeiras páginas dos grandes jornais americanos. As mortes diárias de iraquianos - talvez dezenas de milhares - e mesmo as baixas entre soldados americanos - 1.515 mortos, segundo o último levantamento da Associated Press, e cerca de 5 mil mutilados - já não são notícia.

Outros desdobramentos da invasão, como as dificuldades dos iraquianos para formar um novo governo e estabilizar o país, não surpreendem. Quando despertam interesse, é para confirmar o previsível e o inconfessável.

O jornal The Washington Post, por exemplo, informou que andam curtos os fundos do governo americano para financiar a exportação da democracia, a atividade que o presidente George W. Bush elegeu como prioritária para ganhar a guerra contra o terrorismo e justificar a intervenção armada para derrubar o regime de Saddam Hussein, depois que o motivo inicial - a existência do arsenal de armas de destruição em massa supostamente em poder do ditador iraquiano - revelou ser miragem.

O jornal The New York Times, por sua vez, destacou o risco de vida que correm os barbeiros de Bagdá que ousam desafiar os islamitas e raspar as barbas de seus fregueses ou fazer-lhe um corte de cabelo à ocidental. O jornal também chamou atenção para as dúvidas que o diretor da Agência Central de Inteligência (CIA), Porter Goss, deixou no ar ao responder perguntas dos membros de uma comissão parlamentar sobre o uso de tortura por seus agentes, no interrogatório de prisioneiros, antes de ele assumir o posto, no fim do ano passado.

As reações fortemente negativas à decisão de Bush de escolher o vice-secretário da Defesa, Paul Wolfowitz, o ideólogo da guerra, para presidir o Banco Mundial sublinharam a intensidade da antipatia mundial aos Estados Unidos, outro subproduto da invasão. A nomeação de Wolfowitz serviu também para recordar aos americanos as estimativas equivocadas que ele fez sobre o custo da guerra e da reconstrução do Iraque, o tamanho do contingente que Washington teria de manter no país e a duração da ocupação.

Num reconhecimento tácito do estrago que a guerra fez à imagem do país no exterior, o presidente americano nomeou sua fiel escudeira Karen Hughes para comandar os esforços de diplomacia pública, ou seja, propaganda, do Departamento de Estado.

Passados dois anos, mais de 1 milhão de soldados americanos já serviram no Iraque, em várias levas. Cerca de 150 mil permanecem. A decisão da Itália de retirar seus 3 mil soldados aumentou para 15 os países que deixaram a coalizão anglo-americana. Ela está hoje reduzida a menos de 23 mil soldados de 24 países, a imensa maioria ingleses.

Bush não sabe quando as tropas voltarão para casa.

Na semana passada, ele disse que isso acontecerá "quando o Iraque for capaz de se defender". O general Richard Cody, vice-chefe do Estado- Maior do Exército, avisou que não se deve esperar uma redução do contingente antes de uma data indeterminada entre 2006 e 2008.

O que pensam os americanos dois anos depois da invasão?

As pesquisas de opinião pública sugerem que eles estão confusos. As eleições de janeiro no Iraque, os bons ventos que aproximam israelenses e palestinos distanciam os libaneses dos ocupantes sírios de seu país e fazem brotar as primeiras, frágeis sementes de democracia no Egito e na Arábia Saudita, animaram 56% dos eleitores entrevistados numa enquete do Washington Post e da rede ABC a mostrar-se confiantes na possibilidade da formação de um governo estável no Iraque. Proporções semelhantes falam de forma positiva também sobre as chances de avanços da democracia no Oriente Médio.

Espantosos 56% continuam a acreditar, contra todas a evidências, que havia armas de destruição em massa no Iraque e Saddam Hussein estava ajudando a Al-Qaeda, uma suspeita que a própria administração Bush abandonou há meses.

Não se pense, porém, que os americanos aprovem a decisão de Bush de invadir e ocupar o Iraque. Pela primeira vez, a maioria, ou 51%, diz que a guerra foi um erro. Em abril de 2003, depois da queda de Bagdá, apenas 16% eram dessa opinião e 81% achavam que a invasão fora uma decisão acertada.

Hoje, 53% acham demasiado o preço que o país está pagando; 57% desaprovam a política de Bush no Iraque e 70% dizem que é inaceitável o número de soldados mortos.

Os americanos reconhecem também que a invasão reduziu o prestígio internacional de seu país: 41% acham que os EUA são mais fracos hoje, por causa do Iraque, e 28% têm a opinião oposta.

Dois anos atrás, esses números eram invertidos: 52% achavam que o país tinha ficado mais forte e apenas 12% pensavam o oposto. Amplas maiorias concordam, obviamente, que o país não pode nem deve meter-se em novas aventuras militares para resolver suas diferenças com a Coréia do Norte ou o Irã.

Não há nesses dados, contudo, riscos políticos maiores para Bush. Os problemas mais prementes do presidente americano estão na política interna - especialmente na rejeição pela opinião pública e por setores do Partido Republicano de seu plano de reforma da previdência social.

É praticamente inexistente, por exemplo, a pressão popular para trazer os soldados de volta - o que se deve, ao menos em parte, ao fato de as Forças Armadas americanas serem hoje totalmente integradas por soldados voluntários comandados por um corpo de oficiais profissionais.

Mais da metade, ou 54%, acredita que a maioria dos iraquianos aprova o que os americanos estão fazendo em seu país. E, embora uma maioria diga que os EUA estão atolados no Iraque, a proporção dos que vêem progresso na situação aumentou nos últimos seis meses e é maior do que a dos que acham que a invasão está saindo pela culatra.