Título: Negociação entre Mercosul e UE fracassa. De novo
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/03/2005, Economia, p. B11

Mercosul e a União Européia (UE) não conseguem se entender e os diplomatas terminam dois dias de reuniões em Bruxelas com acusações mútuas e sem qualquer plano concreto para negociar a criação de um acordo comercial, em pauta há pelo menos seis anos. Durante o encontro concluído ontem, os blocos não chegaram a um acordo sobre a base para relançar a negociação, não estabeleceram uma agenda de trabalho e nem mesmo a data do próximo encontro. "Até o início da reunião, eu achava que poderíamos fechar negociação em 2005. Agora não sei", afirmou Karl Falkenberg, negociador-chefe da (UE), que antecipou o fim do encontro de ontem diante da completa falta de entendimento. Durante a reunião, Mercosul e UE se limitaram a realizar uma troca de documentos com princípios que deveriam ser seguidos durante as negociações. A idéia, uma insistência do Mercosul, foi considerada com inútil e "pura literatura" por parte de Bruxelas, que pretendia usar o encontro para começar a identificar as ofertas de liberalização que seriam usadas para relançar o processo. "Nós estávamos prontos para fazer esse exercício. O Mercosul não quis e agora a bola está no campo deles", disse Falkenberg.

"Não é que não queremos avaliar as ofertas de liberalização, mas temos que estabelecer certos parâmetros antes", afirmou Mario Mugnaini, secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior. Para o embaixador Regis Arslanian, que liderou a delegação brasileira, a reunião "não foi perdida", ainda que os europeus tenham merecido críticas por parte do diplomata por ter entregue sua lista de princípios apenas nos últimos instantes dos dois dias de reunião, o que impediu um debate.

Diante das indefinições, o próprio setor agrícola brasileiro já cobra respostas do governo sobre sua atitude. "Está na hora de perguntar se o Mercosul quer o acordo ou não. Chegou a hora da verdade", afirmou o Antonio Beraldo Donizete, representante da Confederação Nacional da Agricultura (CNA). A agricultura é um dos principais pontos de discórdia da negociação. Os europeus oferecem uma abertura considerada como limitada pelo Mercosul, que respondeu com ofertas tímidas no setor industrial e de serviços.

Falkenberg insiste que os negociadores do Mercosul estão atuando de forma contrárias às declarações dadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Davos em janeiro. Na ocasião, Lula se reuniu com o presidente da Comissão Européia, José Manuel Barroso, e estabeleceram que tentariam fechar o acordo até o final do ano. Para isso, reiniciariam o debate a partir das melhores ofertas de liberalização já realizadas pelas duas partes.

Segundo a UE, portanto, o encontro de Bruxelas foi agendado para que os dois blocos definissem quais seriam essas melhores ofertas. Esses critérios seriam usados como base para uma conferência ministerial entre o Mercosul e Europa para relançar a negociação em abril.

"Infelizmente, para minha surpresa, encontrei os coordenadores (do Mercosul) contrários à orientação política dada pelo presidente Lula", afirmou Falkenberg, que se diz "confuso".

"A diferença é marcante entre os sinais políticos e os dados pelos coordenadores. Precisamos uma explicação para salvar a credibilidade dessa negociação", afirmou o europeu.

Arslanian nega tal versão e alega que já havia sido estabelecido em um encontro no Rio de Janeiro, no final de 2004, que cada um dos blocos primeiro apresentaria sua lista de parâmetros que gostaria de ver respeitado. O Mercosul ainda aponta que o exercício proposto pela Europa de identificar nesse estágio as melhores ofertas realizadas em 2004 daria vantagens à Bruxelas.

Pelos cálculos do Itamaraty, a reunião dos pontos mais positivos em cada uma das ofertas já realizadas daria uma maior abertura aos europeus que ao Mercosul. "O risco desse desequilíbrio existe, mas no meu caso são os 25 países da UE que se queixam de que temos ofertas mais amplas que o que nos foi dado pelo Mercosul", afirmou Falkenberg.

Arslanian aponta que o agrupamento das várias ofertas seria em si uma nova proposta de abertura, o que o Brasil não aceitaria.

Ainda há uma polêmica sobre quais seriam essas melhores ofertas. Para o Brasil, flexibilidades importantes indicadas oralmente durante 2004 pelos europeus nunca foram transformada em propostas escritas. Segundo Bruxelas, o Mercosul também fez ofertas orais, fato negado pelo Brasil.

Motivação - Tanto o Brasil como a UE se queixam de uma "falta de motivação" para negociar. Arslanian aponta que a falta de uma perspectiva real de acesso ao mercado europeu no setor agrícola não estimula o Mercosul e se esforçar em dar maiores aberturas. Já Falkenberg alerta que se não houver pelo menos um ponto de partida, não há motivação para que os ministros sequer encontrem uma data para voltar a negociar e nem para que os 25 países da Europa concordem em fazer novas concessões. "Vamos melhorar nossas ofertas, mas como é que alguém pode fazer concessões nessa situação", questiona Falkenberg.

Para tentar sair da nova crise, os dois blocos irão conversar por telefone na semana que vem e avaliar se convocam uma nova reunião técnica. Os europeus esperam que os ministros do Mercosul aceitem voltara a falar de identificar as ofertas. Quanto à reunião entre os ministros, a idéia é de que ocorra em abril, mas os europeus não querem confirmar presença caso não haja avanços prévios. "Só conseguimos ter um ponto em comum: estamos todos insatisfeitos", afirmou o vice-chanceler do Paraguai, Ruben Ramirez.